domingo, 8 de novembro de 2009

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO E PARTICIPATIVO

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO E PARTICIPATIVO
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Maria do Carmo de Lima Bezerra 1

A noção de sustentabilidade tem-se firmado como o novo paradigma do desenvolvimento humano. Os países signatários dos documentos e declarações resultantes das conferências mundiais realizadas nesta década2 assumiram o compromisso e o desafio de internalizar, nas políticas públicas de seus países, as noções de sustentabilidade e de desenvolvimento sustentável.
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, reforça este processo com a aprovação de um documento contendo compromissos para a mudança do padrão de desenvolvimento no próximo século, denominando-o Agenda 21. Fica resgatado, assim, o termo agenda, no seu sentido de intenções, desígnio, desejo de mudanças para um modelo de civilização em que predominem o equilíbrio ambiental e a justiça social entre as nações.
A Agenda 21 não é, portanto, um plano de governo, mas uma proposta de estratégia destinada a subsidiá-lo e a ser adaptada no tempo e no espaço às peculiaridades de cada país e ao sentimento de sua população. Dessa forma, torna-se imprescindível sua adaptação para planos nacionais, de modo que expresse melhor as condições específicas de cada nação.
É importante destacar que a Conferência do Rio, em contraste com a Conferência de Estocolmo, de 1972, orientou-se para o desenvolvimento, e que a Agenda 21 não é uma Agenda Ambiental e sim uma Agenda de Desenvolvimento Sustentável, onde, evidentemente, o meio ambiente é uma consideração de primeira ordem. O enfoque deste processo de planejamento não é restrito às questões ligadas à preservação e conservação da natureza, mas, sim, uma proposta que rompe com o planejamento dominante nas últimas décadas, quanto à predominância do enfoque econômico, e que considera questões estratégicas, como aquelas ligadas à geração de emprego e de renda; à diminuição das disparidades regionais e interpessoais de renda; às mudanças nos padrões de produção e consumo; à construção de cidades sustentáveis; e à adoção de novos modelos e instrumentos de gestão. Em suma, expressa um planejamento estratégico e participativo que determina as prioridades a serem definidas e executadas pelo governo e a sociedade em parceria, fazendo assim ressurgir, no plano internacional, a necessidade do planejamento descentralizado.
A Agenda 21 não deixa dúvida: os governos têm a prerrogativa e a responsabilidade de deslanchar e facilitar os processos para sua implementação em todas as escalas. Além dos governos, a convocação da Agenda visa a mobilizar todos os segmentos da sociedade, chamando-os de “atores relevantes” e “parceiros do desenvolvimento sustentável”. Iniciar este processo, em cada lugar, é um momento significativo na consolidação do conceito de sustentabilidade e da sua aplicabilidade na organização social. Esta concepção processual e gradativa da validação do conceito implica assumir que os princípios e as premissas que devem orientar a implementação da Agenda 21 não constituem um rol completo e acabado. Torná-la realidade é antes de tudo um processo social no qual os atores vão pactuando paulatinamente novos consensos e montando uma agenda possível rumo ao futuro que se deseja sustentável.
Conseqüentemente, todos os atores engajados neste processo deverão centrar esforços na tarefa de recriar os mecanismos políticos institucionais necessários à viabilização das ações de longo prazo inerentes ao conceito de desenvolvimento sustentável.
O principal ensinamento dos êxitos e fracassos das experiências de planejamento tem sido o entendimento de que o processo é mais importante que o relatório-produto, independentemente das competências técnicas envolvidas dos que o redigiram. O poder transformador do planejamento é diretamente dependente do envolvimento dos agentes relevantes para o tema enfocado.
A Agenda 21 é, assim, um processo. Além disto, funciona como um conceito potencialmente integrador das atividades das autoridades responsáveis pelo próprio planejamento governamental como um todo. Portanto, a sua elaboração deve resultar da convergência de um diálogo amplo entre as partes interessadas relevantes da sociedade. Evidentemente, a qualidade deste processo decisório dependerá, em parte, da inclusão do conjunto mínimo de interlocutores relevantes e das informações e análises de temas escolhidos pelos agentes.
Pensar globalmente
e agir localmente
A comunidade global é um reflexo das tendências e escolhas feitas nas comunidades locais do mundo. Em um sistema de ligações complexas, pequenas ações locais têm impactos globais em larga escala. Os problemas ambientais não podem ser resolvidos por programas globais, porque nós não vivemos “globalmente” e ninguém investe recursos para alcançar objetivos que não estão diretamente ligados às necessidades locais, nem tornam a vida das pessoas mais sustentáveis. A campanha da Agenda 21 local foi concebida para criar planos de ação que, resolvendo problemas locais, se somarão para ajudar a alcançar resultados globais.
O conceito de Agenda Local foi formulado e proposto pelo Conselho Internacional para Iniciativas Ambientais Locais (ICLEI), em 1991, como uma metodologia de trabalho para que os governos locais se engajassem na implementação das decisões da CNUMAD. Junto com outras organizações, o ICLEI defendeu a estratégia de elaboração de planos de ação locais, durante o processo preparatório da CNUMAD, e seus esforços levaram à integração deste conceito à Agenda 21, aprovada em 1992, no Rio de Janeiro.
Dada a importância da participação dos governos locais na viabilização das proposições da Agenda Global, o termo Agenda 21 Local passou a ser usado indiscriminadamente para rotular ampla gama de iniciativas mais ou menos relacionadas com o desenvolvimento sustentável.
Assim, diferentes iniciativas sob a forma de planos, programas e projetos relativos ao manejo sustentável dos recursos naturais, tratamento e disposições de resíduos, monitoramento e controle de poluição, mitigação de pobreza e miséria, etc., vêm sendo apresentadas como Agendas Locais. Este fato coloca a necessidade de trabalhar com um conceito que crie uma distinção entre processos que são de abrangências, tempos e competências diferenciados.
Apoiando as iniciativas locais, o Ministério do Meio Ambiente lançou um documento intitulado Construindo a Agenda 21 Local, que apresenta a seguinte conceituação:
A Agenda 21 Local é um processo participativo multisetorial de construção de um programa de ação estratégico dirigido às questões prioritárias para o desenvolvimento sustentável local. Como tal, deve aglutinar os vários grupos sociais na promoção de uma série de atividades no nível local, que impliquem mudanças no atual padrão de desenvolvimento, integrando as dimensões socioeconômicas, politico-institucionais, culturais e ambientais da sustentabilidade.
Metodologia, possibilidades
e obstáculos
Destaca-se, entre os pontos inovadores apresentados pela Agenda 21, a sua metodologia de elaboração que privilegia a participação dos diferentes segmentos, tornando-o um processo político auxiliado por informações técnicas e não técnicas, e referendado por participação social.
Caracteriza-se como um roteiro de ação pactuado socialmente, centrado em objetivos previamente definidos pelos atores sociais, e não um diagnóstico exaustivo de todos os problemas, sem hierarquização nem definição de meios de implementação.
De forma resumida podemos elencar as potencialidades e obstáculos deste processo enquanto instrumento para implementação do desenvolvimento sustentável no plano local. Como potencialidades, podem destacar-se:
• Planejamento voltado para ação não prevê extensos diagnósticos construídos exclusivamente por técnicos-consultores. O objetivo é o levantamento de entraves e possibilidades de ação a partir da identificação de objetivos claros a serem atingidos. O diagnóstico não leva necessariamente a propostas de ação.
• Construção de visão de futuro (cenário) entre os diferentes atores sociais envolvidos, inclusive o próprio governo local.
• Definição de ações a partir da pactuação prévia com responsabilidades de implementação distribuídas entre os diferentes grupos sociais envolvidos. Não existem dicotomias entre a fase de proposição e a fase de definição de meios de implementação propriamente dita.
• Processo contínuo, que possui no governo apenas um de seus atores, não sendo ação governamental exclusivamente, tende a uma maior agregação entre as diferentes forças políticas e sociais locais, daí decorrendo a possibilidade de continuidade das ações propostas no processo independente do governo instalado no momento de sua elaboração.
• Visão multidisciplinar é inerente ao processo desde a identificação dos temas relevantes, objetivos, etc, não sendo um esforço feito a posteriori por um coordenador que tenda a compatibilizar os diferentes relatórios técnicos setoriais.
Por outro lado, a construção de uma agenda de desenvolvimento sustentável enfrenta alguns obstáculos:
• O processo depende do acesso democrático à informação entre os diferentes atores sociais.
• O processo pressupõe uma forte mudança em diferentes instâncias da organização social atual, quais sejam: segmentação do conhecimento técnico, setorização das instâncias de decisão, cultura das organizações sociais que lutam por reivindicações em benefícios próprios e para atendimento de circunstâncias momentâneas, e não por buscas de soluções transformadoras e de co-responsabilidade.
O desafio da Agenda 21 no DF
Construir a sustentabilidade no Distrito Federal é um enorme desafio. Esta afirmativa não deriva das dimensões territoriais, já que possuímos um território restrito e, relativamente ao Brasil, bastante conhecido desde o início de sua ocupação, mas, sobretudo, pela diversidade dos atores sociais relevantes, seja do próprio local, seja do país como um todo, que tem aqui sua expressão política.
Para transformar esta possibilidade em realidade será preciso superar a visão até agora predominante de que o desenvolvimento se dá a partir apenas de um espaço a ser ocupado. É necessário entendê-lo como construção sustentável, envolvendo politicamente no processo todos os atores relevantes e tendo como ponto de partida o necessário equilíbrio entre as dimensões do desenvolvimento, não apenas, como foi dito, um espaço a ser ocupado, nem também a ser preservado enquanto recurso natural, como algumas vertentes do ambientalismo entendem a sustentabilidade. Esta visão só cria dicotomias e não constrói os consensos necessários à sustentabilidade de propostas que expressem a visão dos diferentes atores sociais, tendo, portanto, a implementação de qualquer proposta oriunda da vertente que tende a se apropriar politicamente do processo de planejamento, frustrada, isto é óbvio, em detrimento das demandas sociais reais.
A vocação urbana do DF e a sustentabilidade das cidades
A vocação urbana do Distrito Federal coloca muitas outras contradições e/ou obstáculos que terão que ser enfrentados, superados e resolvidos.
Na Agenda 21 brasileira especial atenção foi dada à questão da sustentabilidade das cidades. Entre os vários entraves destacados no processo nacional alguns são também comuns ao Distrito Federal, como o saneamento básico, os resíduos sólidos e a ocupação desordenada do solo. Apesar de os índices sanitários e socioeconômicos da população urbana aqui residente ainda serem melhores que os da média nacional, a atual tendência é de agravamento, tendo em vista o quadro do próprio país no que tange às disparidades de renda e oferta de serviços, significando ainda a existência de forte fluxo migratório para o Distrito Federal.
O processo de expansão urbana nas últimas décadas tem determinado a ocupação de áreas sensíveis, seja por iniciativa governamental, seja por invasão. As populações ali instaladas passam a pressionar o governo pela implantação de todas as infra-estruturas sociais (educação, saúde, habitação, abastecimento de água, saneamento, transporte, drenagem, limpeza urbana, segurança e lazer).
Coincidindo esse processo com a deterioração progressiva das finanças públicas, o não-atendimento das demandas leva a uma tendência de reprodução na capital da república da situação quase caótica já existente nas metrópoles e outras grandes cidades brasileiras, já que interesses políticos e econômicos contribuíram para a legalização dessa expansão, o que gera direitos sociais não atendidos.
Impõe-se, portanto, uma reforma urbana, que comece pela reordenação do uso do solo e pela descentralização administrativa, acompanhada de um processo participativo que permita à sociedade influir nos rumos, fiscalizar a aplicação de recursos, bem como ser co-responsável pela construção do espaço onde reside. Essa reforma terá de cuidar de muitos aspectos. Uma das prioridades será certamente a que diz respeito ao gerenciamento dos recursos hídricos, recurso natural frágil, escasso no DF. Impermeabilização do solo, drenagem urbana, abastecimento de água e esgotamento sanitário das velhas e novas ocupações urbanas são e continuarão sendo problemas a serem abordados. Certamente o enfrentamento da questão passa pela definição dos pactos sociais para a construção do futuro desejado por todos os moradores do Distrito Federal.
O desafio da sustentabilidade no Distrito Federal impõe ainda mudanças profundas nos sistemas de limpeza urbana. Hoje, quando a média de produção de resíduos domésticos já é de um quilo por habitante/dia, a coleta chega no Distrito Federal a mais de 2.000 mil toneladas diárias. Quando se trata de resíduos sólidos, temos reproduzido no Distrito Federal os índices nacionais: cerca de 20% do lixo doméstico não é coletado; aproximadamente 50% do coletado vai para lixões a céu aberto; apenas 25% segue para aterros mais ou menos adequados; e, para a reciclagem, menos de 1%.
Impõe-se a adoção de políticas que induzam a redução do lixo, a começar por legislação que, abrangendo todo o ciclo do produto, leve os produtores a receber de volta embalagens e sucatas, contribuindo para baixar o consumo de recursos naturais. São necessárias também políticas que penalizem a produção e destinação inadequada de resíduos tóxicos e resíduos industriais.
A adequação das políticas de destinação de resíduos industriais, inclusive resíduos tóxicos, desafia administradores públicos e privados, mas exige soluções urgentes, ao lado de políticas que acelerem o processo de adequação e certificação ambiental nas indústrias.
Finalmente, a internalização de custos ambientais na indústria é mais um desafio à sustentabilidade urbana. Sem a adoção e o cumprimento rigoroso do princípio poluidor/pagador, dificilmente se poderá avançar. No Distrito Federal este assunto é urgente e atual, dada a necessária discussão da base econômica que sustentará o contínuo crescimento populacional, em especial urbano. A fase das transferências fiscais provenientes do governo federal, que durante as primeiras décadas implantou a nova capital e deu ao Distrito Federal os atuais índices de serviços, está superada pelos novos arranjos políticos gerados no país, com a promulgação da Constituição de 1988.
A titulo de reflexão, no enfrentamento da questão urbana no Distrito Federal, vale a pena conhecer as estratégias que aponta a Agenda 21 brasileira. A discussão destas e outras estratégias certamente ajudará na construção dos cenários de futuro desejáveis para a Capital da República.
São quatro as grandes estratégias prioritárias, nas quais se associam um conjunto de diretrizes, propostas e ações:
I- Aperfeiçoar a regulação do uso e da ocupação do solo urbano, e promover o ordenamento do território, contribuindo para a melhoria das condições de vida da população, considerando a promoção da eqüidade, eficiência e qualidade ambiental.
Essa estratégia é composta por propostas direcionadas para os seguintes temas:
• Fortalecimento da dimensão territorial no planejamento governamental, nos três níveis de governo, destacando a importância da articulação entre as políticas, programas e ações e da cooperação entre os diferentes órgãos e setores de governo; e ressaltando a necessidade de uma política nacional de ordenação do território e a importância das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas no contexto da rede urbana brasileira.
• Produção, revisão, consolidação e implementação de instrumentos legais federais, estaduais e municipais, de maneira a ajustá-los às necessidades surgidas em decorrência dos processos de urbanização e modernização do país, bem como às novas pautas de desenvolvimento endossadas pelo Estado e pela sociedade, em particular quanto ao direito ambiental e à função social da propriedade e da cidade.
• Políticas e ações de acesso à terra, regularização fundiária e redução do déficit habitacional, no combate à produção irregular e ilegal de lotes, na parceria com o setor empresarial privado e com a população, com linhas de financiamento para locação social, com aproveitamento dos estoques existentes e recuperação de áreas centrais para ampliar o acesso à moradia.
• Melhoria da qualidade ambiental das cidades, por meio de ações preventivas e normativas de controle dos impactos territoriais dos investimentos públicos e privados, do combate às deseconomias da urbanização, da elaboração de planos e projetos urbanísticos integrados com as ações de transporte e trânsito, da adoção de parâmetros e normas voltados para a eficiência energética, conforto ambiental e acessibilidade, da ampliação das áreas verdes e das áreas públicas das cidades, e da conservação do patrimônio ambiental urbano, tanto o construído quanto o natural e paisagístico.
II- Promover o desenvolvimento institucional e o fortalecimento da capacidade de planejamento e gestão democrática da cidade, incorporando no processo a dimensão ambiental e assegurando a efetiva participação da sociedade.
Essa estratégia é composta por propostas direcionadas para os seguintes temas:
• Aspectos espaciais do planejamento e gestão, envolvendo a necessidade de planejamento e políticas nas várias escalas e adequadas às características regionais, da rede urbana e local, reforçando a bacia hidrográfica como unidade de planejamento, e identificando competências e necessidades de integração intergovernamental para fiscalização e controle ambiental.
• Institucionalização dos órgãos, processos, mecanismos e instrumentos de gestão, garantindo o fortalecimento da dimensão ambiental nesse conjunto, fortalecendo a democratização e efetiva participação da sociedade nos processos, e consolidando instrumentos e padrões de informação, monitoramento, fiscalização e controle públicos.
• Política habitacional, incorporando os aspectos de sustentabilidade ambiental nos programas, projetos e empreendimentos que se associam à geração de emprego e renda, ao uso de tecnologias adequadas, à preocupação com a geração de recursos para manutenção e ampliação, considerando as especificidades e diversidades dos grupos sociais envolvidos.
• Saneamento ambiental, voltado para a necessidade de avanços no campo da regulação, garantindo a flexibilidade nas formas de gestão pelos municípios e linhas de financiamento que priorizem os agentes mais adequados aos objetivos de universalização do atendimento e qualidade ambiental na prestação dos serviços.
• Transporte e trânsito, envolvendo os aspectos de gestão e operação dos sistemas, com a parceria público-privada, a participação da população nas decisões e a fiscalização.
• Integração das políticas urbanas e rurais, visando à complementaridade das atividades e à redução dos impactos ambientais provocados nessas duas esferas, seja pelos perfis de produção e consumo, seja pela poluição e contaminação geradas, seja pelos fluxos de população.
III- Promover mudanças nos padrões de produção e consumo da cidade, reduzindo custos e desperdícios e fomentando o desenvolvimento de tecnologias urbanas sustentáveis.
Essa estratégia é composta por propostas direcionadas para os seguintes temas:
• Combater o desperdício e promover o consumo sustentável junto aos agentes econômicos, ao setor público e à população em geral.
• Arbitrar padrões e indicadores capazes de orientar o planejamento urbano e o monitoramento das práticas de produção e consumo sustentáveis, tanto por parte do setor público quanto privado.
• Estabelecer rotinas de auditorias ambientais no setor público, e usar o poder de compra do Estado para induzir o mercado de bens e serviços a adotar padrões de qualidade ambiental.
• Promover mudanças nos procedimentos utilizados para lidar com os assentamentos e com projetos habitacionais, passando a levar em consideração o conforto, a qualidade ambiental e a ecoeficiência, com o máximo aproveitamento de materiais reciclados e apropriados.
• Reduzir as perdas crônicas no sistema de saneamento e modernizar a política tarifária, garantindo água mais barata e de melhor qualidade, bem como melhorando os indicadores de saúde da população urbana.
• Diminuir a geração de resíduos, de despejos e emissões de poluentes nas áreas urbanas e do entorno por parte das indústrias.
• Reduzir a queima de combustíveis fósseis, e promover a eficiência energética, contribuindo para a mudança da matriz energética e para o combate ao efeito estufa.
• Promover maior integração entre o rural e o urbano, desenvolvendo atividades agrícolas e não agrícolas voltadas para este fim.
• Gerar empregos e renda, contribuindo para diminuir as desigualdades existentes, aproveitando, sempre que possível, os programas decorrentes das ações recomendadas para operacionalizá-los com o uso de mecanismos que combinem sustentabilidade econômica e social.
IV- Desenvolver e estimular a aplicação de instrumentos econômicos no gerenciamento dos recursos naturais visando a sustentabilidade urbana.
Essa estratégia compõe-se de propostas direcionadas para os seguintes temas:
• Cobrança pelo uso dos recursos naturais, de maneira a ampliar os recursos financeiros disponíveis, reduzindo o comprometimento dos orçamentos governamentais com os problemas ambientais, direcionando-os para ações redistributivas, de maneira a permitir que os mais pobres possam usufruir de forma socialmente eqüitativa da qualidade ambiental, e gerando sustentação para as atividades de manutenção que possam aumentar oportunidades de trabalho e renda.
• Aperfeiçoamento do sistema tributário nos três níveis de governo, criando incentivos econômico-tributários, como o ICMS ecológico e outros estímulos extrafiscais indutores de comportamentos ambientalmente sustentáveis pelos agentes públicos e privados.
• Promoção da competitividade da indústria brasileira, com alterações de processos e produtos capazes de enfrentar as restrições ambientais associadas ao comércio exterior e aos acordos globais, utilizando recursos resultantes da criação de Fundo Ambiental da Indústria, lastreado em impostos sobre a poluição.
• Novos critérios para o financiamento do setor de transportes, incorporando aspectos ambientais (e condicionando a eles os investimentos), com o propósito de priorizar sistemas de transporte coletivos de massa, associados a redes integradas, e incentivando a busca de recursos alternativos de financiamento pelos poderes locais.
• Utilização de critérios ambientais para compra de bens e serviços pelo setor público, visto ser este, nos três níveis de governo, importante impulsionador da economia e, portanto, indutor do perfil dos produtos e serviços.
• Recuperação da valorização fundiária resultante dos investimentos públicos nas áreas urbanas, com a aplicação de instrumentos jurídico-tributários que permitam gerar recursos para investimentos de interesse ambiental.
Neste conjunto de ações destacam-se os objetivos de envolver os agentes econômicos e gerar receitas adicionais. Entretanto, aponta-se uma permanente preocupação em, paralelamente a incentivos e financiamentos, identificar fontes de recursos capazes de garantir a institucionalização de tais políticas, tendo em vista não onerar os orçamentos públicos e, principalmente, buscar eqüidade nas ações e investimentos.
O Distrito Federal, como o país, possui uma prática de planejamento de caráter setorial, com notórias dificuldades de coordenação e integração intersetorial. Existem, portanto, muito pouco conhecimento consolidado e informação a respeito dos diferentes componentes do desenvolvimento sustentável e suas interrelações.
Por outro lado, os gestores públicos são premidos a tomar decisões para atendimento das demandas sociais que não podem aguardar avanços de produção de conhecimento científico e coordenação entre os agentes sociais e institucionais intervenientes no processo, com conseqüências que só são conhecidas após serem implementadas as ações, ou muito tempo depois.
O fato atual é que, na maior parte, os incentivos na legislação vigente desencorajam a tomada de decisões (pública e privada) de caráter sustentável e estimulam decisões que podem levar ao desperdício.
Os subsídios governamentais são, em sua maioria, promotores dessa forma não sustentável de desenvolvimento. Na implantação de suas políticas, os governos federal, estadual e municipal promovem, por um lado, o desenvolvimento econômico, e, por outro, tentam regular seus efeitos, colocando a política ambiental num papel secundário e reativo.
Do ponto de vista dos instrumentos legais e normativos, atualmente existe um amplo aparato legal para controlar e punir quase todos os potenciais danos causados pela utilização predatória de recursos naturais, inclusive com amparo constitucional. Entretanto, já existe uma ampla aceitação no meio técnico da necessidade de redefinição dos instrumentos de gestão ambiental para que se continue a avançar nesta área.
Tomando especificamente a dimensão ambiental, que possui papel no novo conceito de desenvolvimento, podemos elencar alguns pontos que necessitam ser superados para que se inicie um processo de planejamento e gestão do território com vistas ao alcance do desenvolvimento sustentável.
Estes pontos podem ser assim resumidos:
• A gestão ambiental precisa evoluir de uma abordagem curativa, hoje predominante na legislação, na estrutura, no aparelhamento administrativo e no perfil dos técnicos da área, para uma postura preventiva de abordagem, que contemple o uso e a conservação dos recursos naturais em longo prazo, com base em suas potencialidades e no respeito às suas vulnerabilidades.
• A organização institucional, tanto do órgão federal, como dos órgãos estaduais, precisa ser redesenhada com perfil organizacional para uma abordagem de sua coordenação articulada. Até hoje, podemos verificar uma vocação do órgão ambiental local para tratar, de um modo geral, as questões afetas à degradação do meio físico. Reforçando o caráter corretivo, as diretrizes presentes no II Plano Nacional de Desenvolvimento previam ações ambientais acopladas exclusivamente à solução de problemas impostos pelo modelo de desenvolvimento, sem questioná-lo ou propor soluções alternativas. Como conseqüência, a prática da gestão ambiental tem se fundamentado em instrumentos inadequados para atingir os amplos objetivos da política ambiental voltada para a promoção do desenvolvimento sustentado.
• Para que se inicie um processo de evolução para o desenvolvimento sustentável, as ações de planejamento não devem caracterizar-se por uma tentativa de eliminar totalmente o risco inerente a qualquer tomada de decisão, mas oferecer informações capazes de subsidiar a gestão sem conviver com o risco. O planejamento tradicional caracteriza-se por um congelamento das decisões tomadas no passado e por uma forte inércia quanto a mudanças de rumo, o que dificulta as possibilidades de responder aos eventos inesperados, principalmente quando, via de regra, se transforma em dispositivo legal.
• Portanto, os obstáculos (tais como a disponibilidade de uma base sólida de conhecimentos e dados necessários à elaboração das análises) em que esbarra a aplicabilidade de tais estratégias, torna imperativo reforçar a pesquisa científica e melhorar o sistema de estatísticas e informações, para possibilitar a participação dos diferentes parceiros do desenvolvimento sustentável na tomada de decisão sobre a gestão do território.
De qualquer forma, não se pode negar os êxitos alcançados por intermédio de ações normativas e corretivas. Essas iniciativas permanecerão, contudo, ineficazes na medida em que não consigam inserir efetivamente as variáveis ambientais na formulação e implementação das políticas públicas setoriais e macroeconômicas, nem desenvolver instrumentos de gestão mediadores entre o uso dos recursos naturais e o atendimento das demandas socioeconômicas.
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1 Professora da Universidade de Brasília- FAU. Doutora em Estruturas Ambientais Urbanas pela Universidade de São Paulo. Coordenadora do Projeto Agenda 21 Brasileira da Casa Civil da Presidência da Republica. Ex-Secretária de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia do Distrito Federal
2 As principais conferências realizadas pela ONU, na década de 90, foram: Infância, em Genebra (1990); Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, no Rio de Janeiro (1992); População e Desenvolvimento, no Cairo (1994); Pobreza e Desenvolvimento Social em Copenhague (1995); Assentamentos Humanos, Habitat II, em

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