sábado, 7 de novembro de 2009

Os arranjos institucionais de implementação

Os arranjos institucionais de implementação
das iniciativas locais para o desenvolvimento territorial


Os marcos orientadores do PRONAT apontam quatro áreas de resultado a serem impactadas com o conjunto de iniciativas a ele relacionadas: a gestão social dos territórios, o fortalecimento do capital social, a dinamização das economias territoriais, e a articulação interinstitucional. Nesta concepção, todo o esforço impulsionado com as oficinas territoriais vai se cristalizando em processos e produtos como o aprendizado dos sujeitos envolvidos, os diagnósticos, planos e projetos voltados para o desenvolvimento do território, o amadurecimento das relações de confiança e cooperação. É através destes elementos que os resultados de longo prazo vão se formando e tornando-se palpáveis no horizonte imediato dos agricultores, do poder público e das organizações da sociedade civil envolvidas. É assim que evolui a espiral do Ciclo de Gestão Social do Território, tal como apresentado em outros documentos da SDT/MDA.

No desenho geral do Ciclo de Gestão Social do Território, no momento de implementação das iniciativas locais para o desenvolvimento, um elemento adquire importância fundamental: os arranjos institucionais.

Estes arranjos têm um papel de destaque pois é através deles que se pretende construir acordos em torno da implementação dos projetos de interesse do território, catalisando habilidades e competências dispersas num conjunto de organizações e agentes, públicos e privados, individuais e coletivos, e operar estes atributos colocando-os a serviço do território.

Mas, afinal, o que são estes arranjos institucionais ? Em que eles diferem das parcerias ? Qual a diferença entre arrranjos institucionais e os espaços de gestão já existentes, como as CIAT ?


O que são arranjos institucionais ?

A origem da idéia de arranjo institucional está relacionada às tentativas de explicação da performance econômica. Enquanto as correntes principais da economia sempre se apoiaram na idéia de que o desenvolvimento é resultante da ação dos indivíduos orientada pelo sistema de preços, pelo mercado, algumas contribuições teóricas têm enfatizado o papel que um conjunto de instituições de uma determinada sociedade desempenha em seus rumos.

Instituições, contudo, não devem ser entendidas como mero sinônimo de organizações, seu uso mais habitual, mas sim como regras, normas, acordos construídos pelos seres humanos em suas diversas formas e espaços de interação social, econômica e política. Estas regras e acordos podem ser formais ou informais, explícitas ou tácitas. Por isso um dos grandes expoentes desta vertente de estudos sobre desenvolvimento disse certa vez que a idéia de ´instituições´ poderia ser traduzida simplesmente como ´as regras do jogo´.

Esta conexão entre instituições e desenvolvimento se desdobra em diferentes níveis, tanto para efeitos de análise, como para a construção de iniciativas. Existem regras e acordos que funcionam em um nível macro, como por exemplo a legislação de um país ou as normas que regem a atuação de órgãos públicos e empresas, e existem regras que operam sobretudo numa escala menor, no âmbito de territórios ou cobrindo iniciativas e atores mais localizados.

Visando clarear mais esta distinção sobre como instituições operam em diferentes níveis, costuma-se diferenciar o ambiente institucional dos arranjos institucionais.

Por ambiente institucional entende-se o conjunto de grandes regras, acordos, leis, normas e contratos, todos os macro-referenciais, enfim, que estabelecem a base para a produção, a distribuição e a troca entre os agentes de uma sociedade. Isto vale também para as macro-políticas e para as orientações gerais dos organismos públicos.

Por arranjo institucional , por sua vez, entende-se os acordos e contratos entre agentes específicos, através dos quais eles irão cooperar ou competir numa dada situação.

A figura a seguir exemplifica estes diferentes níveis e as relações entre eles:

Figura 1
Esquema de três níveis de Williamson





Esta distinção entre ambiente institucional e arranjo institucional é importante para se entender que as articulações que irão ocorrer no âmbito de um território não se dão soltas no espaço e no tempo, não são livres de condicionantes, não são apenas o resultado do desejo dos agricultores ou de agentes do poder público. Cada arranjo institucional é condicionado, de um lado, pelo conjunto de grandes regras que orientam o comportamento dos agentes e, de outro lado, da trajetória particular de cada um destes agentes, seu histórico anterior de êxitos e frustrações em iniciativas similares, seu aprendizado acumulado. Em síntese, os arranjos institucionais são permeados pelo conjunto de fluxos de condicionantes expressos pelas linhas “a” e “c” da figura.

Não por acaso, diagnósticos institucionais em nível local costumam ser marcado por elementos como :

• A existência de uma diversidade de organismos governamentais, de caráter econômico ou social, com visões distintas da problemática local e dos caminhos para resolvê-la. Muitas vezes as instituições sequer têm atuação no nível local, centrando suas ações a partir de políticas federais ou estaduais mais amplas

• O fato de que cada instituição carrega sua missão e valores construídos ao longo do tempo, na busca de resultados parciais de desenvolvimento, sob a ótica setorial e a curto prazo

• Falta de interação entre as organizações governamentais e não governamentais e, sobretudo, entre estas duas e as organizações dos agricultores. A prática das instituições é, normalmente, isolacionista, onde cada uma executa suas políticas sem interface com as demais organizações nem com a comunidade

• Postura comportamental dos gestores e técnicos das instituições, os quais são mais vinculados às pressões das estruturas organizacionais internas e de lideranças políticas do que aos processos que devem unir a instituição à sociedade à qual ela serve

• Inexistência (ou fragilidade) de organizações representativas da sociedade civil bloqueia um canal de voz e comunicação entre a comunidade, especialmente os mais excluídos, e as organizações públicas. Considere-se ainda que a população não raramente acumulou certa descrença na capacidade das instituições em resolver seus problemas, principalmente em virtude de programas e iniciativas públicas terem sido superpostos e alcançado resultados aquém das expectativas, gerando um ciclo de incapacidade de gerar confiança e envolvimento desta mesma população na construção de seu futuro

• Uma certa incapacidade de prefeituras municipais em aglutinar as ações institucionais, seja pela pressão do imediatismo, seja pela ausência de uma visão estratégica capaz de orientar os rumos do desenvolvimento, seja ainda pela desinformação e desconhecimento quanto a métodos e processos que venham a facilitar essa integração interinstitucional


Como construir arranjos institucionais
em torno das iniciativas de desenvolvimento territorial ?


Os arranjos institucionais bem sucedidos são aqueles que procuram: a) dar suporte a uma estrutura de relações na qual os membros possam cooperar para obter algo que eles não obteriam se não fizessem parte desta estrutura; e/ou, b) estabelecer mecanismos de mudança nas regras que governam a ação destes agentes de maneira que estes mesmos indivíduos ou grupos possam transacionar em outras bases.

Considerando estes objetivos, de um lado, e as dificuldades habituais acima esboçadas, de outro, pode-se dizer que a construção de arranjos institucionais envolvendo as iniciativas de desenvolvimento territorial podem seguir alguns passos ou preocupações indicativos.


Primeiro passo –
a definição do foco em torno do qual se quer construir o arranjo

Para saber qual é o conjunto e agentes a fazer parte do arranjo é preciso definir qual é o foco em torno do qual os acordos terão que ser estabelecidos. Isto será relativamente fácil, se o desenho do arranjo tiver sido precedido de um bom processo de diagnóstico e planejamento do território.

Quanto mais bem definido estiver o foco da iniciativa, maior é a possibilidade do êxito do arranjo a ser criado. Isto porque é preciso que haja transparência e acordos sólidos para que a cooperação possa ocorrer.

Segundo passo –
a leitura do quadro institucional local

Sabendo onde se quer chegar é possível mapear o quadro institucional local, identificando quais são os agentes que atuam na situação em foco, de que habilidades e competências eles dispõem.

Mas a leitura deste quadro local não se esgota no levantamento das organizações e suas possíveis contribuições; é preciso ir além em pelo menos dois aspectos. O primeiro é qualificar estas organizações e agentes, tentando compreender suas motivações, suas limitações, as possíveis áreas de conflito entre elas. Desta maneira é possível sair de uma leitura idealista e pensar em termos reais, se abrindo para os interesses de cada um destes agentes. O segundo é identificar as ausências, isto é, identificar quais as habilidades e competências que seriam necessárias para o bom andamento das iniciativas em questão e que, no momento, não são supridas por nenhuma das organizações com atuação no território.

Há várias técnicas participativas que podem auxiliar nesta tarefa: o Diagrama da Venn é um deles.

Terceiro passo –
O diálogo com/entre os agentes

O diálogo com os agentes (e entre os agentes) deve se dar com base no foco das iniciativas e também com base nas potencialidades e limites de cada um , tal como indicado nos dois passos anteriores.

Neste momento, é importante que o diálogo não se dê somente em torno da execução de uma ação, mas que ele traga a possibilidade de que a relação estabelecida a partir daquele projeto possa ser profícua para os envolvidos numa perspectiva futura. Os arranjos serão mais robustos e mais bem sucedidos à medida que os agentes vejam nesta relação a possibilidade de ganhos (tangíveis ou não tangíveis) para além de uma mera “contratação de serviços”. É somente assim que se pode sair de uma relação demandante/demandado para uma relação em que há um efetivo compromisso, uma real confiança, uma verdadeira cooperação ente os agentes.

Junto com a clareza em torno do objeto e com o efetivo diálogo com os interesses dos agentes, é preciso que o arranjo preveja a base para a avaliação dos acordos estabelecidos. A definição das bases em que vai se dar o monitoramento das iniciativas consitui-se, assim, em um aspecto determinante.

Quarto passo –
A operacionalização de arranjos institucionais

A arquitetura dos arranjos não termina com o estabelecimento de acordos. Ao contrário, ela em geral só se mostra correta ou não, útil ou não, quando estes acordos começam a valer. É aí que começa a haver ruídos de comunicação, é aí que se explicitam as divergências entre atores, é nesse momento que a disputa e a competição pode minar as bases da confiança e da cooperação.

Os arranjos institucionais só irão valer e atingir o intento desejado se eles forem vistos como processos permanentes de concertação e diálogo, onde a transparência e a comunicação orientam a solução de conflitos, sempre estimulando confiança e cooperação.

Este caráter processual, no entanto, não deve obscurecer o fato de que os arranjos institucionais são arranjos de regras e acordos, que enquanto tal precisam estar explicitados e bem equacionados desde o início.



Arranjos institucionais, parcerias, CIAT

Quando pensado com estas características, os arranjos institucionais de implementação de projetos e iniciativas de desenvolvimento territorial se diferenciam claramente de parcerias pontuais e também da CIAT.

A idéia de parceria, em si, não tem nada de conflitante com a idéia de arranjos institucionais. Em certa medida os arranjos institucionais são um estágio mais complexo, mais avançado de se estabelecer relações de parceria. As palavras-chave que devem orientar boas parcerias – transparência, comunicação, organização, confiança, aprendizado – também orientam os arranjos; a diferença é que, neste segundo caso, estes elementos envolvem um conjunto mais ou menos amplo de organizações públicas e privadas. Com isso, é preciso que os arranjos envolvam os entrelaçamentos deste conjunto de organizações, suas competências e seus interesses; e, ainda, é preciso também que haja uma perspectiva futura comum, motivando os agentes a continuar cooperando em torno de compromissos e contratos assumidos conjuntamente.

Da mesma forma, os arranjos institucionais de implementação não se confundem com os órgãos ou fóruns locais de gestão das iniciativas territoriais já instituídos, como as CIAT, que não deixam de ser , também elas, uma forma de arranjo. . A diferença está em que, enquanto à CIAT cabe um papel diretivo e técnico na gestão das iniciativas territoriais, aos arranjos institucionais cabe a orientação e o acordo entre partes envolvidas na implementação destas iniciativas. Isto quer dizer, por exemplo, que uma determinada empresa pública pode não ter sede no território (e, com isso não compor a CIAT), mas ser imprescindível para a implementação das ações definidas: ela obviamente tem que compor o arranjo institucional a ser criado. O mesmo vale para uma universidade ou um centro de pesquisa, etc.

Por fim, é importante destacar que, embora o método de articulação dos arranjos institucionais tenha sido topicamente apresentado na forma de passos, não se trata de algo assim tão linear. Como as iniciativas para o desenvolvimento territorial não se resumem a um projeto específico, nem tampouco a um conjunto isolado de iniciativas, é preciso entender que as relações entre agentes terão que extrapolar os limites de um projeto, de um exercício fiscal, de uma obra a ser construída; mesmo que estes projetos, especificamente, sejam o ponto-de-partida para a construção dos arranjos. O processo que envolve os acordos e o estabelecimento de regras que garantam aprendizado, confiança e cooperação , os arranjos institucionais enfim, também compõem aquela espiral representativa do Ciclo de Gestão, como foi destacado no início desta nota. A cada estágio percorrido estes arranjos serão incrementados pelo aprendizado gerado no momento anterior e assim sucessivamente. Nesta perspectiva os arranjos se inserem na perspectiva de longo prazo que dever orientar as articulações para o desenvolvimento dos territórios rurais.


Textos de referência utilizados

ABRAMOVAY, Ricardo (2001). O capital social dos territórios – repensando o desenvolvimento rural. IV Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Política. Porto Alegre.

ABRAMOVAY, Ricardo (2001). Desenvolvimento e instituições – a importância da explicação histórica. In: ARBIX, G.; ZILBOVICIUS, M.; ABRAMOVAY, R. (orgs). Razões e ficções do desenvolvimento. São Paulo: Edusp/Ed.Unesp.

PARENTE, Silvana (2001). Desenvolvimento institucional e articulação de parcerias para o desenvolvimento local . Cadernos Técnicos. Projeto de Cooperação Técnica BNDES/PNUD. Recife

SDT/MDA (2004). PRONAT – orientações para a prática. Brasília: SDT/MDA (fotocopiado)
Anexo




DIAGRAMAS DE VENN


Diagramas Institucionais também conhecidos por Diagramas de Venn são ferramentas muito utilizadas em Diagnósticos Participativas Rurais para analisar relações institucionais. Para funcionar bem é importante haver precisão sobre o tópico que será analisado ou monitorado e as organizações envolvidas.
O tópico escolhido, que pode ser uma comunidade, uma propriedade, uma cooperativa, um projeto específico ou qualquer outro tema ou objeto de atenção, deve ser representado por um círculo. A seguir, deve ser organizada uma discussão geral para identificar todos grupos, pessoas ou instituições que se relacionam de alguma forma com o tópico em questão. Depois, cada uma dessas pessoas, grupos ou instituições será representada por um círculo distinto, cujo tamanho indica sua importância relativa ao tópico em discussão. Assim, por exemplo, se o tópico escolhido for um projeto de bovinocultura de leite que será implementado por uma Cooperativa de agricultores, os donos de laticínios serão representados por um círculo grande, enquanto que ONGs de atuação local serão representadas por um círculo menor, já que toda assistência técnica prestada é feita por agências governamentais de ATER. Estes círculos serão distribuídos ao redor do círculo central que representa o tópico de interesse. A distância entre os círculos representa o grau de influência ou contato entre os grupos e/ou instituições. Interseções entre círculos indicam interações e a extensão da interseção indica o nível de interação.
Esse exercício proporciona uma visão geral sobre a situação atual das relações institucionais em torno do projeto em questão, identificando as relações de conflitos e/ou de cooperação existentes e suas causas, mas isso não é suficiente! É preciso pensar estratégias para construir um arranjo institucional capaz de aumentar as chances de êxito do projeto que pode ser feita de duas formas. Primeiro é possível elaborar um novo diagrama que poder ser, então, comparado com o anterior para analisar as suas diferenças e similaridades e o que deve ser feito para ser alcançado ou mantido. Alternativamente, é possível usar o primeiro diagrama e promover uma discussão sobre os possíveis arranjos institucionais desejados e as estratégias possíveis que serão necessárias para atingi-los. Em qualquer uma das abordagens utilizadas, as discussões devem enfocar a qualidade, freqüência, extensão, aparecimento ou desaparecimento dos vínculos entre os grupos e instituições.
Segue abaixo um exemplo de Diagrama de Venn para analisar as relações institucionais em torno de um projeto de bovinocultura que será implementado por uma Cooperativa:



MATRIZES DE CONFLITOS E COOPERAÇÕES ENTRE ATORES SOCIAIS

Para aprofundar, melhorar o registro e a visualização das relações de conflito ou de cooperação entre os atores sociais, iniciadas com a construção dos Diagramas de Venn, pode ser oportuno utilizar as matrizes de conflitos e de cooperações. Essas matrizes são ferramentas que auxiliam a análise das diversas relações entre os atores sociais, suas causas e magnitudes. Para isso é necessário escrever numa cartolina os diversos grupos ou instituições envolvidas no projeto em coluna e repetí-los em linha, criando, assim, uma matriz. As células em branco da matriz (interseção entre cada coluna e cada linha) deverão ser preenchidas com a descrição resumida das relações de conflito ou cooperação existentes entre duas organizações e com as estratégias para superá-las ou reforçá-las, conforme cada caso.

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