domingo, 8 de novembro de 2009

Pensar o desenvolvimento a partir do local

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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002 Pensar o desenvolvimento a partir do local: novo desafio para os gestores públicos Frederico Lustosa da Costa Augusto Paulo Guimarães Cunha 1. Introdução As políticas governamentais de desenvolvimento, no Brasil, surgiram baseadas em um paradigma que entendia o Estado como principal agente responsável pelo take off da economia e compreendia as desigualdades socioeconômicas inter-regionais como sério obstáculo à integração nacional e a sustentabilidade do crescimento brasileiro. A existência de desigualdades nas taxas de acumulação de capital entre as diversas regiões do país não era um fato novo, pois se constituía em uma característica estrutural desde os tempos da colonização. O fato novo era a percepção de que tais desigualdades não poderiam ser reduzidas apenas através do livre jogo das forças de mercado e de que a sua persistência implicava uma disfunção sistêmica que poderia ameaçar o equilíbrio socioeconômico como um todo. Apesar disso, a concentração territorial do desenvolvimento só começaria a ser discretamente amenizada nos anos 60 e 70, quando políticas de crédito e fiscais, aliadas a programas de modernização da infra-estrutura de transportes e energia, procuraram fomentar o crescimento do produto industrial das regiões Norte e Nordeste e mais tarde a expansão da agroindústria no Centro-Oeste. O processo de desenvolvimento induzido pelo Estado revelou-se vulnerável quando, a partir do final dos anos 70, entrou em crise o mecanismo de financiar gastos e investimentos públicos através do endividamento interno e externo, mecanismo que sustentava o modelo nacional-desenvolvimentista. Somou-se a essa crise no padrão de financiamento o efeito de profundas transformações no sistema econômico capitalista, desencadeadas, ao longo dos anos 80 e 90, pela revolução científica e tecnológica nas áreas de produção, comércio, finanças, transportes e comunicações. As mudanças no sistema capitalista tornaram obsoleto o paradigma da segunda revolução industrial, que havia inspirado o nacional-desenvolvimentismo, de acumulação de capital predominantemente ligada à comercialização massificada de bens e serviços destinados, prioritariamente, aos mercados consumidores nacionais. Desencadeou-se uma radical globalização dos processos produtivos, comerciais e financeiros, conduzida por empresas transnacionais. A economia empresarial passou a ser pensada e praticada, a exemplo dos Estados-Nações, em termos de estratégias globais, tendo como principais características a intensa mobilidade dos fatores de produção e a mudança na função agregada de produção a fim de incorporar outros fatores além dos clássicos capital físico, trabalho e recursos naturais, dentre eles capital humano, capital social, pesquisa e desenvolvimento, conhecimento, informação e instituições (Boisier,1996:137-140). A internacionalização do mercado das grandes empresas, a administração destas como Estados e a crescente homogeneização cultural abalaram, de modo irremediável, os fundamentos em que se havia assentado o pensamento aceito anteriormente quanto aos conteúdos do desenvolvimento e aos meios adequados para sua concretização. O novo modelo de desenvolvimento passou a contemplar não apenas o crescimento da produção nacional, como também a realização de avanços na qualidade de vida, na eqüidade, na democratização, na participação cidadã e na proteção ao meio-ambiente. Permaneceu, no entanto, a crença de que o sonho a ser concretizado é a reprodução das
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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002 2formas econômicas, sociais, culturais e políticas vigentes nas sociedades capitalistas mais ricas, rejeitando-se como retrógradas ou “bárbaras” as peculiaridades nacionais, regionais ou locais que não se coadunem com elas. Uma outra característica do novo modelo, é que o desenvolvimento das regiões e cidades, antes pensado como simples parte de uma matriz de insumo-produto nacional, adquiriu importância crescente, na medida em que, na ordem econômica internacional hoje hegemônica, regiões e cidades tornam-se atores tão significativos quanto os Estados nacionais. Os governos centrais, em um mundo cujo dinamismo é liderado por empresas globais que decidem onde e como investir, reconfigurando os espaços territoriais segundo suas necessidades, precisam, cada vez mais, rever sua funções antes bem definidas de construtores de nações unificadas e homogêneas em termos econômicos e culturais, para assumir o papel de agentes reguladores, parceiros e estimuladores do desenvolvimento endógeno das sociedades regionais e locais. Examinar os desafios conceituais e práticos gerados para as políticas públicas de desenvolvimento regional e local brasileiro por esta mudança de paradigma, bem como as formas pelas quais estados e municípios têm procurado responder a eles, é o principal objetivo de nossa intervenção. Na primeira parte, são apresentados aspectos conceituais necessários a uma melhor compreensão da natureza dos desafios a serem enfrentados. Na segunda parte, são discutidas as respostas exigidas dos gestores a fim de planejar, implementar e avaliar projetos estratégicos de desenvolvimento endógeno em suas comunidades. Na conclusão, discutem-se os limites do novo paradigma e alguns caminhos possíveis para superar os impasses que podem surgir quando de sua aplicação prática. A presente intervenção não exime os interessados no tema de estudar as experiências que vêm sendo conduzidas em diversos países latino-americanos no sentido de promover o desenvolvimento integrado e sustentável. 2. Novos Requisitos para o Desenvolvimento Durante os anos cinqüenta e sessenta, quando o Brasil iniciou de forma sistemática seu processo de industrialização, tinha-se como certo que o desenvolvimento de um país dependia do planejamento estatal, realizado por uma elite tecnocrática, e da capacidade do Estado de impor, de cima para baixo, seus planos, programas e projetos ao conjunto da sociedade. O desenvolvimento era pensado em termos nacionais, devendo ser conduzido preferencialmente pelos governos centrais, que não estavam sujeitos aos interesses particulares de grupos políticos regionais ou locais. Desenvolvimento era, acima de tudo, expandir a produção interna e a oferta de bens e serviços padronizados para o mercado doméstico, esperando que os efeitos multiplicadores dos investimentos sobre a geração de rendas e emprego produzissem os resultados desejados em termos de eqüidade. A sociedade, segundo esse modelo, dividia-se em duas “classes” bem definidas e homogêneas – trabalhadores e empresários – cujos conflitos, em função do bem maior que era o desenvolvimento, somente poderiam ser arbitradas por um poder neutro que colocasse o interesse coletivo acima dos interesses individuais – o Estado. Dentre as principais mudanças socioeconômicas, sociopolíticas e culturais que, a partir dos anos 90, afetaram essas formulações tradicionais sobre o desenvolvimento e os cenários em que ele se deve processar, podem ser destacadas: a acumulação de capital passou a depender, cada vez mais, da incorporação do valor agregado por inovações constantes nas tecnologias de produção e da capacidade de
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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002 3aumentar, de forma sustentada, a participação em segmentos de mercado transnacionais. Como resultado, novos fatores de produção assumiram importância crescente no processo produtivo – capital humano, pesquisa, conhecimento e informação; o enfraquecimento dos Estados nacionais, com o surgimento de formações políticas supranacionais e o fortalecimento de regiões e cidades, principalmente em decorrência da busca de sinergia no emprego dos fatores de produção. Como resultado, assiste-se ao que poderíamos denominar de um retorno à Idade Média, quando regiões e cidades eram os principais protagonistas da economia internacional; os avanços tecnológicos nas comunicações e nos transportes possibilitaram dividir os processos produtivos por fases e lugares, superando o modelo fordista de grandes concentrações urbano-industriais e estimulando a descentralização, em termos espaciais, das cadeias produtivas; a transposição para o Governo e para a Administração Pública de tecnologias de gestão e critérios de avaliação de desempenho utilizados pelas empresas privadas. Velocidade, flexibilidade, maleabilidade, modernidade e competitividade tornaram-se palavras de ordem para países, regiões e cidades, implicando a necessidade de descentralizar estruturas decisórias entre os níveis de governo e dos governos para empresas e a sociedade civil; a eliminação das diferenças entre padrões de consumo de bens e serviços, acompanhado de maior assimilação do modelo oferecido pelos países mais ricos no que respeita a crenças, valores e instituições. O cosmopolitismo, antes exclusivo dos grupos privilegiados, difundiu-se por todas as camadas sociais; o tribalismo cultural, pois ao mesmo tempo em que se reforçou a homogeneidade de padrões de consumo e dos esquemas culturais a eles associados, surgiram espaços de resistência nos quais grupos sociais procuram construir e afirmar sua identidade e seus interesses singulares perante a comunidade. Reforçou-se, com isso, o sentido de participação e a busca de formas de influir nas decisões coletivas que transcendem os limites da representação política tradicional. Ao mesmo tempo, difundiu-se a percepção de que o bem-estar dos indivíduos está estreitamente associado às condições oferecidas pelo seu entorno. As mudanças assinaladas reforçam-se mutuamente, determinando uma nova forma de pensar o desenvolvimento, na qual se realça a importância da diferenciação, da cooperação, da participação e da obtenção de qualidade de vida similar àquela desfrutada pelas classes médias dos países mais ricos. Com isso, a realização efetiva do desenvolvimento adquire complexidade muito maior do que o simples crescimento do produto e da renda. Trata-se de uma alteração que tem a ver com o modo pelo qual os atores sociais percebem melhorias em sua situação de vida, tanto individual como coletivamente. Nas sociedades que iniciam o processo de industrialização, as exigências são bem simples e qualquer incremento na oferta de bens e serviços é rapidamente assimilado como progresso. Em sociedades já industrializadas, mais diversificadas e pluralistas, não bastam variações quantitativas na oferta como indicadores de melhoria. Assim, para os brasileiros nascidos e criados após o ‘boom’ industrial dos anos 60 e 70, as exigências tornaram-se mais complexas, tanto no que respeita à qualidade e variedade dos bens e serviços como a qualidade de vida. Pode-se inferir que, depois de iniciado em uma determinada sociedade, o desenvolvimento passa a ser interpretado pelos sujeitos sociais como algo que deve evoluir em espiral, ampliando-se cada vez mais o leque de benefícios e oportunidades. Uma espiral
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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002 4virtuosa, em que a sensação de prosperidade estimula os anseios para alcançar patamares qualitativos sempre mais elevados. A confiança na capacidade do Estado em garantir o acesso a estes níveis mais elevados de vida tendeu a esmorecer, transferindo-se o papel demiúrgico para “o mercado”, personalização que oculta uma miríade de deidades – as empresas privadas. Logo ocorreu o desencanto com o mercado, ao se constatar que entregue a si mesmo, ele não poderia materializar a espiral da qualidade de vida. Hoje, afirma-se, paulatinamente, a convicção de que os diferentes grupos sociais precisam organizar-se e reivindicar ingerência ativa nos rumos do desenvolvimento, junto com o Estado e as empresas, e a criação de mecanismos de check and balance, que impeçam qualquer um dos atores de impor aos demais um projeto exclusivo. Além disso, há uma revalorização do local, contraposto talvez defensivamente a um global que parece ameaçador em sua distância intangível e ânsia de tudo abarcar e moldar aos desígnios dos boards de empresas transnacionais. O local passa a ser não apenas um refúgio contra forças alienígenas, mas um espaço aberto a criatividade, a inovação e ao comando sobre o próprio futuro. Viver e agir localmente torna-se a base de um novo modo de representar o mundo social. Desenha-se, assim, um cenário no qual o desafio é incorporar os atores locais na concepção e sustentação do processo de desenvolvimento. O planejamento de cima para baixo ou do centro para as unidades subnacionais, principal aspecto do desenvolvimentismo do século XX, perde força, fazendo com que os gestores públicos sejam obrigados a formular políticas capazes de “articular os sujeitos locais - empreendedores públicos e privados, produtores de bens, serviços e cultura - para que, fortalecidos em sua autonomia, possam produzir um projeto estratégico de desenvolvimento regional e de inserção cooperativa e interdependente” (Genro,2000). Realçar o papel dos atores locais, especialmente empresários e sociedade civil, não significa negligenciar o fortalecimento das funções reguladoras e de coordenação do Estado, nem relevar a importância dos governos centrais no que respeita à transferência de recursos aos governos e comunidades locais. Cumpre, portanto, estabelecer sistemas de cooperação e apoio mútuo entre esferas governamentais, resguardando a integração nacional e estimulando parcerias estratégicas, no espírito de uma federação cooperativa. Trata-se, principalmente, de superar o estágio centralizador de tomada de decisões e formas de intervenção que não levem em conta as diferenças, inibam iniciativas e ignorem as preferências dos grupos sociais envolvidos, implantando mecanismos democráticos e cooperativos de formulação, implementação, monitoramento e avaliação de políticas, programas e projetos. Sem essa preocupação não se conseguirá alcançar o consenso e a mobilização social indispensáveis à eficiência, eficácia e efetividade de qualquer projeto de desenvolvimento local endógeno. 3. Novas Tarefas na Gestão do Desenvolvimento A fim de enfrentar os desafios colocados pelo novo paradigma do desenvolvimento, os gestores públicos de todos os níveis de governo (federal, estadual e municipal) precisam: Superar os procedimentos tradicionais de gestão, administrando regiões e cidades como se fossem países. A complexidade do novo modelo de desenvolvimento implica trabalhar duas dimensões básicas e interdependentes: a dimensão política e a dimensão econômica.
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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002 5No que respeita ao aspecto político, qualquer região ou município que deseje alavancar o desenvolvimento precisa obter o poder político necessário para controlar seus próprios recursos e empregá-los conforme julgar mais conveniente. Essa soberania deve ser conquistada através de negociações e acordos com outras unidades territoriais ou instâncias de governo, de modo a substituir laços de dependência e subordinação por vínculos calcados na autonomia e cooperação. A questão chave nesse esforço é, no entanto, dispor de apoio de uma forte coalizão de atores locais, o que implica “o consenso político, o pacto social, a cultura de cooperação e a capacidade de criar, coletivamente, um projeto de desenvolvimento” (Boisier,1996:124). A face política do projeto de desenvolvimento precisa ser completada por sua face econômica e, aqui, a lição de planejamento estratégico das grandes empresas privadas pode e deve ser aproveitada, a exemplo do que ocorreu em Barcelona e vem sendo aplicado, com graus diferentes de êxito, em outras cidades. O plano estratégico deve responder questões como: qual a vocação econômica regional ou local? Como potencializar as vantagens comparativas locais? Como aproveitar essas vantagens, atraindo investidores e financiamentos? Como gerar empregabilidade para a população regional ou local? Onde comercializar os bens e serviços produzidos, e como fazê-lo de forma a promover crescente acumulação de capital? (Boisier,1996:125). O planejamento estratégico do desenvolvimento, entendido como atividade contínua, sistemática e permanente, deve ser participativo e ascendente, regionalizado, descentralizado e integrado. Torna-se vital para o sucesso de suas ações a participação de todos os grupos sociais mais significativos no processo de planejamento, de modo a facilitar a integração de iniciativas existentes e melhor atingir os objetivos da comunidade. A participação deve ocorrer de forma ordenada e organizada, para que a soma dos esforços resulte no melhor aproveitamento dos recursos disponíveis. Além disso, a diversidade de características dentro de uma mesma região ou município exige um planejamento que leve em conta essas peculiaridades e o conhecimento aprofundado das demandas localizadas. O planejamento descentralizado, por sua vez, é a forma mais adequada para sintonizar os planos de ações com as demandas da sociedade e ao mesmo tempo, aproximar as decisões das ações e do controle social dos interessados. O plano de desenvolvimento ou será integrado ou não será planejamento. Os problemas envolvidos são por natureza integrados, e não podem ser examinados e trados de uma perspectiva setorial. Portanto o planejamento deve integrar demandas, interesses, recursos, ações de diferentes áreas, níveis e organizações. A ênfase, como pode ser observado, coloca-se na construção de um caminho peculiar de desenvolvimento regional ou local, baseado em cuidadosa análise das ameaças e oportunidades do ambiente, reconhecimento dos pontos fortes e fracos de cada formação social e calcado na elaboração de um projeto estratégico respaldado pelo apoio de toda a coletividade. Torna-se imprescindível para os gestores considerar que “a forma e a composição do desenvolvimento endógeno... devem variar de região ou de local para local, e dependem das estruturas socioeconômicas e culturais, institucionais e político-decisórias prevalecentes nos respectivos espaços. Embora o universo de valores, da região ou local, deva permanecer receptivo às novas tendências e aos novos paradigmas de desenvolvimento, esse mesmo universo não deve ser cooptado por caricaturas ou por imitações de modelos de outras regiões” (Amaral Filho,op.cit.: 47-8).
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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002 6Desenhar novos arranjos institucionais para o federalismo, de modo a melhorar a cooperação e integração entre os três níveis de governo na promoção do desenvolvimento regional e local. Conforme já assinalado, o desenvolvimento regional e local, embora deva ser promovido em bases autônomas, não pode prescindir de parcerias e alianças estratégicas com as comunidades contíguas, com outras instâncias de governo que se sobreponham em nível hierárquico e com regiões e localidades inseridas no mesmo espaço econômico, tanto nacional como internacionalmente. Ao se falar em alianças e parcerias depreende-se que ganhos de competitividade tendem a ser potencializados mais pela cooperação do que pelo antagonismo e obtenção de vantagens desproporcionais em relação a outras regiões e locais. O desenvolvimento não deve ser tratado como um jogo de soma zero, mas como um processo sistêmico em que os subsistemas envolvidos julguem mais sensato e vantajoso cooperar para alcançar vantagens sinérgicas do que se enfrentar, prejudicando o equilíbrio geral e, conseqüentemente, o equilíbrio interno de cada uma das partes. Essa racionalidade é constantemente negligenciada no sistema federativo brasileiro. O exemplo mais evidente é a busca de desenvolvimento regional ou local através da oferta de subsídios aos investidores potenciais mediante renúncias fiscais. Dentre as razões para a ineficácia da renúncia fiscal como meio isolado para estimular o desenvolvimento endógeno sustentável, podem ser mencionadas: o reduzido efeito multiplicador sobre a economia local, na medida em que “pode apenas criar um amontoado de empresas sem ligações orgânicas entre si e com o local”; o descompasso entre as taxas de rendimento dos novos empreendimentos e as das empresas já instaladas, o que “pode criar uma forte contradição interna ao sistema produtivo local”; a redução de expectativas quanto à estabilidade dos empreendimentos, pois muito dependem de subsídios governamentais que podem ser retirados por “exigências de um programa de estabilização macroeconômica” e, por fim, porém não menos relevante, os efeitos perversos sobre as finanças públicas regionais e locais, destruindo meios que poderiam ser utilizados na aplicação de outras políticas indispensáveis de desenvolvimento (Amaral Filho,op.cit.:46). A guerra fiscal acaba, portanto, transformando-se em uma evidência contra a capacidade empreendedora dos governos regionais e locais. Ao invés de centrar esforços na criação de vantagens competitivas duradouras opta-se pelo caminho aparentemente mais fácil de cooptar investimentos em curto prazo, transferindo para o futuro os custos e as externalidades negativas. No caso brasileiro, a criação dessas vantagens duradouras envolve o fortalecimento de estratégias cooperativas entre os três níveis de governo mediante: Clara definição dos espaços decisórios dos governos federal, estadual e municipal. A superposição de competências aumenta as incertezas dos agentes privados quanto à estabilidade dos acordos com eventuais parceiros estaduais e municipais, o que também eleva suas avaliações de risco; Redefinição do papel dos governos central e estadual no tocante às políticas de desenvolvimento. Há necessidade de fixar sua função coordenadora, de modo a poderem arbitrar conflitos e garantir a manutenção do equilíbrio de forças entre os atores envolvidos, sem prejudicar sua autonomia e iniciativa; Ampliação da capacidade governativa dos atores estatais (União, estados e municípios) tendo como pré-requisitos: I) a retomada da capacidade de realizar investimentos, a fim de que possam ter um papel mais ativo na geração de políticas multiplicadoras dos níveis de produto e renda, particularmente no que
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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002 7tange à formação de capital humano e oferta de infra-estrutura. Isso significa promover ajustes nas finanças públicas, seja pelo lado da racionalização dos gastos, seja pelo aumento da arrecadação; II) modernizar a Administração Pública, mediante rearranjos estruturais, descentralização, qualificação de servidores e adoção de métodos flexíveis de gestão dos recursos humanos, logísticos e financeiros; Acordos estratégicos e operacionais entre instâncias de governo ou entre governos de um mesmo nível visando à gestão integrada de políticas públicas. Estimular a participação dos grupos interessados nas decisões e ações relacionadas ao desenvolvimento. A participação dos grupos interessados ou beneficiários na definição, execução e acompanhamento de políticas de desenvolvimento endógeno tem sido enfatizada e exigida pelos organismos internacionais de apoio (Banco Mundial, BID e outros). Os argumentos apresentados em favor da participação destacam sua importância para a eficácia das políticas de desenvolvimento, a boa governança, a sustentabilidade, a formação e acumulação de capital social, a democratização e o fortalecimento da sociedade civil. A eficácia é alcançada por meio de um conhecimento mais acurado das demandas dos diferentes grupos sociais e da percepção destes quanto aos melhores meios para satisfazê-las. A governança melhora na medida em que a participação favorece o conhecimento e o consenso em torno das normas e instituições que regulam as decisões coletivas, bem como favorece o controle mais estreito da comunidade sobre a conduta e as ações dos dirigentes e demais atores sociais. O envolvimento comunitário na formulação, execução e acompanhamento das políticas e projetos de desenvolvimento, aliado à maior transparência da vida política, contribuem para sua sustentabilidade, na medida em que a identificação coletiva com propósitos e meios dificulta descontinuidades por força dos caprichos particularistas de dirigentes ou atores. No que respeita ao capital social, a atividade participativa contribui para estimular a propensão de resolver problemas em comum, mediante acordos de ajuste mútuo baseados na solidariedade e confiança. Democracia e fortalecimento da sociedade civil resultam da soma de todos esses fatores, cujo fundamento é a acumulação de poder pela comunidade, a qual se torna senhora de seu destino. Se os argumentos favoráveis à participação no desenvolvimento têm grande peso, isso não implica adotá-la como uma panacéia, capaz de solucionar todas as questões de modo automático, nem sucumbir à tentação de ignorar que, em determinadas circunstâncias, a comunidade precisa delegar poderes a grupos menores para tomar decisões em seu nome. Evita-se assim recair no extremo de paralisar decisões que podem ter caráter emergencial ou de imprimir extrema morosidade a decisões rotineiras. A delegação, no entanto, não significa abdicar do controle, da fixação dos parâmetros a serem obedecidos na escolha das alternativas, nem elidir a responsabilidade daqueles que a usam indevidamente. Outro aspecto importante diz respeito ao reconhecimento de que nem todos os atores sociais podem ter interesse ou mesmo preparo para a participação. De um lado, tem-se o comportamento do moral hazard, de outro a falta de informações ou conhecimentos. O comportamento dos ‘caronas’ pode ser desestimulado através de sanções impostas pela própria comunidade ou pelo estímulo ao envolvimento por parte das redes de relações interpessoais. A própria comunidade também deve incumbir-se de criar e institucionalizar mecanismos que assegurem a transparência e livre circulação de informações e
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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002 8conhecimentos necessários à participação ativa. Os gestores contribuem com o esforço participativo conscientizando-se dos fatores que podem ajudá-lo ou dificultá-lo e sugerindo formas de superar as dificuldades. O papel ativo dos gestores públicos no processo de desenvolvimento participativo é crucial em países como o Brasil, em que séculos de tradição elitista e autoritária acabaram por concentrar em parcelas diminutas da população as informações e os conhecimentos necessários à preparação de projetos de desenvolvimento. Romper com essa concentração do capital intelectual constitui uma das tarefas mais importantes e ao mesmo tempo mais árduas para os gestores e técnicos de todos os níveis de governo. Mas se não for empreendida com denodo, através de ensino e aprendizagem continuados, colocará em xeque qualquer possibilidade de desenvolvimento endógeno sustentável. Para facilitar essa tarefa será preciso, antes de tudo, contornar a barreira da desconfiança erguida contra a participação popular em nome da representação política tradicional. A Constituição de 1988 procurou definir as competências e limites de cada uma das duas formas participativas, sem, no entanto, lograr muito êxito, pois não só remeteu a regulamentação à legislação infraconstitucional, como deixou inúmeras brechas que facilitam o surgimento de conflitos passíveis de manipulação contra a participação direta. A tendência atual é a de buscar meios de conciliar a democracia direta com a representativa, levando em conta que nenhuma das duas, sozinha, pode garantir a governabilidade. O que não pode ocorrer é transformar a participação popular em mera consulta, nem esvaziar de tal modo à representatividade que leis e projetos vitais para a comunidade deixem de ser examinados com a necessária prudência. Mais uma vez a resposta parece residir na persistência do esforço de participação direta, com o envolvimento de todos os atores sociais – gestores, legisladores, empresários, partidos políticos, organizações do chamado Terceiro Setor – num processo de aprendizagem empírico: learning in job. Promover novos arranjos territoriais, repensando a divisão do território em termos de sinergia na utilização dos fatores produtivos e obtenção de ganhos em competitividade. A divisão territorial brasileira tem sido comandada de cima para baixo, de acordo com diferentes lógicas. A lógica geométrica, da divisão em capitanias hereditárias. A lógica da tradição, quando da independência, respeitando os limites de regiões e municípios impostos pela ocupação promovida pelos ‘homens bons’ da época colonial, ao arrepio da lógica geométrica. A lógica da fragmentação do poder das oligarquias estaduais e municipais em benefício do governo central, durante os anos do regime militar. Mais recentemente, somou-se à lógica anterior a lógica da apropriação de recursos do FPE e do FPM. De comum a todas elas, o fato de serem impostas de cima para baixo ou de obedecerem mais aos ditames de conveniências políticas do que a qualquer princípio de racionalidade sistêmica. Em conseqüência, o Brasil é um país em que os limites jurisdicionais de autoridade não raro impedem melhor alocação e uso dos fatores produtivos, aqui compreendidos tanto os fatores clássicos (capital físico e trabalho) quanto os novos (capital humano, capital social, cultura cívica, etc.). A organização territorial vem, no entanto, sofrendo modificações informais em função de três processos concomitantes. O primeiro, a interdependência social, econômica e cultural entre regiões ou municípios baseada em redes comunitárias de intercâmbio que ignoram os limites jurisdicionais. O segundo, as necessidades estratégicas das empresas, que reconfiguram o espaço territorial na busca de maximização de seus rendimentos. Por fim, o
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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002 9esforço dos governos para moldar suas ações programáticas de forma mais integrada e flexível, especialmente no que respeita a políticas sociais e de desenvolvimento. A configuração territorial exigida pelo novo modelo de desenvolvimento deve ter como pressupostos principais: Maximizar a sinergia entre fatores produtivos através da estruturação do território em bases sistêmicas; Priorizar a institucionalização de redes interpessoais, sociais e culturais, capazes de potencializar e dar sustentabilidade ao desenvolvimento endógeno; Reconhecer que as configurações territoriais devem ser planejadas e construídas pelos atores locais, o que lhes confere dinamismo específico em termos de eficácia econômica, governança, formação de capital social e competitividade sistêmica. Qualquer tentativa de estruturação rígida ou pensada de cima para baixo pode prejudicar esse dinamismo e reduzir a sustentabilidade do desenvolvimento; Promover o surgimento de regiões competitivas em termos da economia global. A formulação de planos regionais e locais de desenvolvimento, acompanhados de estudos de viabilidade, ajudaria a definir melhor a possibilidade de cada formação territorial, orientando as decisões dos investidores externos, das organizações internacionais de fomento e dos gestores de programas governamentais. Liderar e estimular os sujeitos sociais que participam no processo de desenvolvimento, buscando, em parceria com eles, estabelecer o consenso e a adesão criativa ao projeto estratégico de desenvolvimento. Na tradição brasileira, o executivo, em todos os níveis de governo, concentra a maior parcela de poderes políticos. Essa concentração costuma ser acompanhada de uma elasticidade e de uma autonomia decisórias que ultrapassam, não raro, os limites de competências desejáveis para o adequado equilíbrio governativo e a formação de espaços mais democráticos de formulação, execução e controle das ações estatais. A distorção acima esboçada revela-se incompatível com os requisitos do desenvolvimento endógeno sustentável, cujo principal fundamento é apropriação coletiva dos mecanismos de decisão e implementação de políticas públicas. Para o novo modelo de desenvolvimento faz-se imprescindível mudar princípios e procedimentos de gestão, superando: a racionalidade burocrática: rígida hierarquização, formalismo, processualismo, homogeneização de outputs, especialização funcional e unicidade de comando; a tecnocracia, enquanto tomada de decisões guiadas exclusivamente por critérios técnicos, e o oportunismo, enquanto decisões voltadas só para o curto prazo e guiadas apenas por razões eleitoreiras; o insulamento burocrático, que restringe os canais de participação da comunidade e a transparência das ações; o provincianismo que, ao assumir uma postura defensiva quanto às tradições e costumes locais, inibe a recepção de novos conhecimentos; o isolacionismo, que preconiza uma atenção exclusivista aos interesses locais, em detrimento de laços cooperativos com outras comunidades; a autarquização, que intenta promover o desenvolvimento apenas com os recursos locais, criando obstáculos à livre circulação de capitais, tecnologia, bens e serviços; a ideologia do crescimento econômico, que interpreta o desenvolvimento como resultado infalível de incrementos nas taxas de produção, desprezando a eqüidade e a proteção ao meio-ambiente;
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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002 10o mimetismo, que advoga a transposição literal de experiências ou modelos, desprezando as características específicas da formação social regional ou local. A gestão pública demandada pelo novo modelo requer pluralidade de centros decisórios autônomos, diferenciação de estruturas, métodos e processos flexíveis, desconcentração e descentralização, abertura externa, velocidade, maleabilidade e porosidade, atributos que permitem responder à aceleração das mudanças nas condições socioeconômicas, sociopolíticas e culturais. Essas transformações, por sua vez, sinalizam para governantes e gestores a necessidade de aperfeiçoar os meios de coordenar e integrar ações de governo, abandonando as formas carismáticas e autoritárias, demasiado dependentes da unicidade e hierarquia de comando para alcançar a eficiência e eficácia desejáveis. Dos governantes e gestores exige-se, cada vez mais, que disponham de habilidades para negociar conflitos e incentivar a construção de acordos consensuais, pensar estrategicamente, circular com desenvoltura em diferentes espaços de sociabilidade, promover a imagem corporativa da região ou localidade, decidir em ambientes de incerteza e instabilidade, relacionar-se com investidores nacionais e estrangeiros e governantes de outros níveis de governo nacionais ou internacionais, delegar responsabilidades, criar e gerenciar equipes de trabalho, estimular a aprendizagem organizacional. Mais do que isso, espera-se dos governantes e gestores nacionais, regionais e locais a capacidade de mobilizar suas comunidades em torno de uma visão de futuro. Visão construída democraticamente e com intensa participação de todos os beneficiários e interessados. Governantes e gestores não podem ser, portanto, os senhores da visão de futuro, nem mesmo seus autores exclusivos, mas os seus principais porta-vozes e defensores. Cabe-lhes contribuir, técnica e politicamente, para que ela se materialize em um plano estratégico e em projetos. Cabe-lhes captar recursos junto a outras instâncias de governo, organizações internacionais e grandes investidores privados. Cabe-lhes, acima de tudo, energizar suas comunidades, animando-as a superar as dificuldades e a persistir na fidelidade à visão de futuro e à sua identidade cultural. 4. Conclusões A mudança no paradigma do desenvolvimento encontrou o Brasil despreparado e fragilizado, em decorrência das contradições internas de sua formação social e do modelo nacional-desenvolvimentista. O país forjou seu crescimento econômico segundo os princípios de planejamento de cima para baixo, efetuado por grupos técnicos profissionalizados, grandes plantas industriais, produção em massa, concentração de fábricas em áreas urbanas e acentuada participação de investimentos estatais na oferta de infra-estrutura e bens de capital. Era o modelo hegemônico de industrialização dos países retardatários, respaldado pelas experiências da França, Alemanha, Japão e União Soviética, dentre outras. Os frutos do modelo, no entanto, variaram de um país para o outro em resultado de suas características próprias. No caso brasileiro, a industrialização em marcha forçada, especialmente a partir do Governo Juscelino Kubitschek, contribuiu para acentuar desigualdades intra e inter-regionais na alocação de recursos, bem como no perfil de distribuição de renda entre os diferentes estratos sociais. Aliado a isso, a rápida urbanização concentrou pessoas e mazelas sociais, incrementando a demanda por habitação, transportes, saneamento, segurança e outros bens coletivos.
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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002 11No campo político, a industrialização não afetou a cultura política elitista e autoritária. Ao contrário, o Poder Executivo consolidou seu papel de árbitro dos interesses em conflito, procurando acomodar as demandas dos diferentes grupos sociais em sua estrutura organizacional. Daí a proliferação de órgãos públicos com atendimento focalizado, a intensificação das disputas por recursos estatais e esferas de influência nas decisões, a precariedade dos partidos como agregadores de interesses e dos legislativos enquanto espaços de negociação. Os padrões de relacionamento Estado-Mercado e Estado-Sociedade predominantes no modelo nacional-desenvolvimentista favoreceram a centralização de poder decisório, a cooptação clientelista, o oportunismo mesclado com tecnoburocracia, a dispersão e fragmentação de recursos e o uso das políticas públicas em benefício de grupos preferenciais. A autonomia e isonomia dos agentes eram um critério estranho no mercado de bens e serviços e no mercado político. A crise fiscal do Estado, a força persuasiva dos credores e investidores externos e dos organismos internacionais de fomento (Banco Mundial, BID, PNUD, USAID etc.) e as reivindicações de grupos sociais internos destruíram o modelo. Vive-se, desde o final dos anos 80, um período de transição, de resultados ainda imprevisíveis, entre uma cultura política autoritária, que permeava todas as práticas sociais, dentre as quais a do desenvolvimento, e uma cultura democrática, que privilegia a igualdade entre os atores, a construção negociada entre eles de normas e instituições, a participação direta dos grupos interessados nas decisões coletivas e no controle das políticas públicas. O conflito entre essas duas culturas permeia todo o tecido social, complicando a gestão dos processos participativos de desenvolvimento. Sabe-se, a partir das experiências conduzidas aqui no Brasil e em outros países, que existem algumas condições decisivas para que esses processos tenham maiores chances de êxito. Dentre elas, pode-se destacar: I) a maturidade e perseverança das lideranças políticas e comunitárias envolvidas. O caminho da participação faz-se ao caminhar. Trata-se de um exercício de aprendizado mútuo que precisa fugir aos escolhos do imediatismo e da protelação, do oportunismo eleitoreiro e da manipulação induzida pelas lideranças; II) a formulação consensual de uma visão de futuro, seguida de sua tradução em um plano estratégico baseado em cuidadosa análise dos recursos humanos, materiais e financeiros; III) participação dos beneficiários e interessados em todas as etapas do planejamento e na sua execução e avaliação; IV) invenção e institucionalização das práticas participativas a partir das especificidades locais, evitando a cópia de modelos alienígenas ou a adoção de um modelo ideal; V) apoio institucional em todas as fases, de organizações especializadas na área de gestão e que tenham credibilidade regional ou local. Os conhecimentos adquiridos não impedem os erros, pois cada experiência de gestão participativa é única, na medida em que as formações sociais regionais e locais em que têm lugar possuem particularidades que as distinguem das demais. O receio de errar, no entanto, não pode ser pretexto para rejeitar a participação. Ao contrário, fortes razões a recomendam: (a) a participação direta tornou-se elemento político essencial para a governança e a governabilidade em sociedades caracterizadas pela diversidade étnica, social, política, religiosa e cultural; (b) a participação direta é funcional ao desenvolvimento endógeno, proporcionando-lhe sustentabilidade; (c) a participação direta é uma exigência consignada na Constituição brasileira, expressando, portanto, os anseios da sociedade nacional e, em termos bem pragmáticos (d) a participação direta é um critério orientador para as decisões de agências internacionais no que respeita ao financiamento de programas e projetos. Cabe aos gestores públicos locais e regionais criarem o ambiente propício às práticas participativas, através de ações concretas como: (a) aplicação de práticas participativas na
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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002 12gestão cotidiana das organizações públicas. Funcionários habituados a conviver com modelos burocráticos de e autoritários de gestão dificilmente deixarão de reproduzi-los em seus trabalhos com as comunidades; (b) criação de mecanismos que promovam a circulação de informações sobre a conduta dos governantes e gestores e sobre todos os atos por eles executados e (c) investimentos em educação e disseminação de uma cultura cívica. Mais decisivo ainda será o respeito às decisões coletivas, implementando-as de imediato, a fim de evidenciar a comunidade que o que por ela for decidido consensualmente, não sofrerá deturpações ou alterações pelos que estão incumbidos de executá-las. A cultura autoritária ainda cobrará por muitos anos o seu quinhão de sofrimentos, decepções e frustrações dos atores sociais legitimamente devotados à construção da democracia brasileira e do desenvolvimento calcado no respeito aos direitos de cidadania. O importante é não abdicar da missão, apesar de quaisquer obstáculos, confiando que o desenvolvimento, a justiça e a solidariedade entre os brasileiros, esta visão de futuro lançada na Constituição de 1988, justifica o esforço. Afinal, está claro nos dias de hoje, que o desenvolvimento endógeno é tarefa de toda a sociedade e não apenas dos economistas, especialistas em políticas públicas e dirigentes políticos. Bibliografia ALCÂNTARA, Lúcio. Processos de gestão compartilhada de políticas públicas no Ceará de hoje: a questão dos conselhos. Brasília, Senado Federal, Coleção Idéias, Caderno de Debates, n.7, 2000. ALCÂNTARA, Lúcio, COSTA, Frederico Lustosa da & COELHO, Vera. O SUS, o INAMPS e a descentralização na saúde: uma ameaça de retrocesso. Fortaleza, Stylus Comunicações, 1991. AMARAL FILHO, Jair do. Desenvolvimento regional endógeno em um ambiente federalista. Brasília, Ipea, Revista Planejamento e Políticas Públicas, n.14, 1996. BANDEIRA, Pedro. Participação, articulação de atores sociais e desenvolvimento regional. Brasília, Ipea, Texto para Discussão, n.630, 1999. Disponível via http://www.ipea.gov.br/r. BID. Banco Interamericano de Desenvolvimento. Libro de consulta sobre participación.1997. BORJA, Jordi. As cidades e o planejamento estratégico: uma reflexão européia e latino-americana. In: Tânia Fischer (org). Cidades estratégicas e organizações locais. Rio de Janeiro: FGV, 1996. BOISIER, Sérgio. Em busca do esquivo desenvolvimento regional. Brasília, Ipea, Revista Planejamento e Políticas Públicas, n.13, 1996. _______. Post-Scriptum sobre desenvolvimento regional. Brasília, Ipea, Revista de Planejamento e Políticas Públicas, n.19, 1999. CAMARGO, Aspásia. A federação acorrentada: nacionalismo desenvolvimentista e instabilidade democrática. Rio de Janeiro, ANPOCS, 1992. CAVALCANTI, Bianor Scelza. Gestão pública integrada: implicações para a formulação de teorias, modernização administrativa e ensino da Administração Pública.Revista de Administração Pública.Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 25(3):173-84, jul./set. 1991. ENRIQUEZ, Eugène. Como estudar as organizações locais. In: Tânia Fischer (org). Cidades estratégicas e organizações locais. Rio de Janeiro: FGV, 1996.
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