domingo, 8 de novembro de 2009

Indicadores de desenvolvimento

Indicadores de desenvolvimento –
balanço da produção existente e notas metodológicas para um Sistema de Indicadores Analíticos de Desenvolvimento Territorial


Arilson Favareto
Reginaldo Magalhães
Diogo Demarco
Paulo Brancher




São Paulo, Abril de 2005


Índice





Introdução....................................................................................................... 3

1. Indicadores de desenvolvimento –
do crescimento à sustentabilidade...........................................................
5

2. A produção de
indicadores de desenvolvimento no Brasil..............................................
11

3. Uma análise dos esforços em curso
e os desafios para a produção de novos indicadores............................
19

4. Um esboço de metodologia.......................................................................
23

Bibliografia......................................................................................................
38

Introdução



A década de noventa trouxe consigo a afirmação das noções de desenvolvimento humano e de desenvolvimento sustentável, ambas formuladas no período imediatamente anterior. Ambas acabaram se traduzindo em alternativas à visão de desenvolvimento como sinônimo de crescimento, predominante no momento e ainda hoje o traço mais forte dos debates sobre a realidade brasileira . Esta mudança conceitual não tardou a refletir na formulação e disseminação de indicadores alinhados com as concepções em emergência, dentre as quais o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é, certamente, o exemplo mais conhecido e utilizado.

Tais inovações não passaram ao largo dos órgãos de pesquisa brasileiros. Nestas instituições, têm sido elaboradas tipologias, sistemas de indicadores e índices sintéticos, sempre tentando captar melhor as dinâmicas dos processos de desenvolvimento e, com isso, melhor subsidiar a elaboração das políticas públicas ou dos investimentos privados.

As páginas que seguem são mais um capítulo nos esforços nesse sentido. Seu primeiro objetivo é oferecer um primeiro mapeamento das iniciativas em curso nos órgãos de pesquisa brasileiros na elaboração de indicadores e sistemas de indicadores de desenvolvimento. Trata-se de um exercício de comparação e diálogo, mais do que de avaliação ou crítica, do qual se espera poder extrair questões pertinentes a serem objeto de aprofundamento, novos esforços, experimentações. O segundo objetivo do texto é, à luz deste balanço sobre a produção existente, propor bases metodológicas de um sistema de indicadores que possa ser aplicado à escala territorial.

Para atingir o intuito acima, este artigo é composto de quatro itens. 1) Uma recuperação bastante breve do caminho dos debates sobre desenvolvimento, destacadamente em sua repercussão para a produção de sistemas de indicadores; 2) A apresentação das iniciativas de elaboração de indicadores e sistemas de indicadores de desenvolvimento em curso nos órgãos de pesquisa brasileiros; 3) A identificação de pontos de diálogo entre estas iniciativas, desafios para seu aperfeiçoamento, e possíveis questões a serem abordadas em novas experimentações; 4) As bases metodológicas de um sistema de indicadores aplicados à escala territorial.


1
Indicadores de desenvolvimento –
do crescimento à sustentabilidade


Há dois tipos de critérios que precisam ser postos em prática na formulação de um indicador de desenvolvimento. Os primeiros são os critérios técnicos, que garantem ao indicador consistência e aplicabilidade. Aí se incluem: a relevância das variáveis e indicadores, expressa em sua capacidade de descrever o fenômeno em questão, bem como a avaliação e monitoramento de sua evolução; a comparabilidade dos mesmos, como fator-chave para a elaboração de séries históricas e contraste entre realidades similares; a disponibilidade, cobertura e periodicidade de atualização dos dados. O segundo tipo de critério, a adequação teórica do sistema de indicadores, nem sempre é suficientemente valorizada, mas é ela que lhe garante eficiência e coerência. Não basta uma boa seleção de variáveis e indicadores, é preciso que eles, juntos, componham uma leitura da realidade na qual eles são aplicados que tenha um potencial explicativo. Daí a importância de se relacionar sempre os indicadores e sistemas de indicadores de desenvolvimento com as concepções que eles procuram espelhar.

Como se sabe, a idéia de desenvolvimento é antiga, mas ela se difundiu com os contornos atuais principalmente no período seguinte à segunda grande guerra mundial. Naquele momento, havia uma grande expectativa, tanto entre estudiosos quanto entre governos e instituições internacionais, de que o crescimento econômico e o bem-estar alcançado pelos países do núcleo central do capitalismo mundial (Europa e Estados Unidos, principalmente), mais cedo ou mais tarde se estenderiam à periferia (África, Ásia e América Latina). Em uma palavra, o crescimento econômico era o paradigma, e a evolução do Produto Interno Bruto seu indicador natural .

Quem já era adulto nos anos setenta se lembra da famosa “metáfora do bolo”, segundo a qual era preciso primeiro esperar o bolo crescer para que depois todos pudessem ter a sua fatia. Essa imagem é uma caricatura, mas a ela corresponde toda uma série de teorias e de políticas segundo as quais uma etapa inicial do processo de desenvolvimento deveria, necessariamente, passar pela concentração de renda, como condição para a acumulação de capital, e essa acumulação de capital, por sua vez, seria necessária para a modernização da base econômica do país; só então haveria riqueza para ser partilhada por todos.

Essa expectativa, no entanto, acabou por não se confirmar, ao contrário até. Gradativamente foi se tornando clara a constatação, tão cara à realidade brasileira, de que, em certas circunstâncias, o crescimento pode beneficiar apenas uma pequena parcela da população e, simultaneamente, aumentar a pobreza e a desigualdade, em vez de reduzi-las.

Como resultado da insatisfação gerada com a promessa não cumprida, à preocupação com o crescimento foram sendo agregadas outras dimensões, dando origem ao debate sobre o desenvolvimento e a série de adjetivações que surgiram ao longo dos tempos, numa tentativa de destacar aspectos de cunho social como emprego, necessidades básicas, educação, equidade ou aspectos de cunho ambiental – surgiram os qualificativos “desenvolvimento social”, “desenvolvimento humano”, “desenvolvimento integrado”, “desenvolvimento local”, “desenvolvimento sustentável”.

Cada um desses adjetivos destaca os caminhos para alcançar o desenvolvimento (desenvolvimento local, por exemplo), ou os fatores importantes para se considerar se uma determinada sociedade ou município é ou não desenvolvido (desenvolvimento humano, por exemplo).

Uma definição bastante razoável consiste em dizer que só há desenvolvimento quando os benefícios do crescimento econômico servem à ampliação das capacidades dos seres humanos em fazer o que entenderem ser o melhor para suas vidas. Segundo esta visão, são quatro as capacidades humanas fundamentais: a) ter uma vida longa e saudável; b) ser instruído; c) viver em condições materiais dignas; d) ser capaz de participar da vida da comunidade e poder fazê-lo. A estas quatro capacidades poderia se juntar uma outra: e) viver sem prejudicar as possibilidades do outro, o que inclui a preocupação com a preservação dos recursos naturais de que a sociedade dispõe. Estas capacidades são condições para que qualquer indivíduo possa exercitar todas as suas outras possíveis escolhas, como: viver no espaço rural ou na cidade, decidir que profissão seguir, acumular riqueza ou viver mais e melhor, e assim por diante.

A concepção de desenvolvimento como expansão das liberdades humanas foi mais bem formulada na obra do ganhador do Prêmio Nobel de Economia, o indiano Amartya Sen (1992/2000) e, através do louvável trabalho de um grupo de especialistas liderados pelo cientista Mahbub ul Haq, deu origem ao Índice de Desenvolvimento Humano. Calculado para todos os países do mundo e publicado a cada ano desde 1990, a essência do IDH está na afirmação de que o desenvolvimento é um processo onde a ampliação das possibilidades de escolha dos indivíduos é a um só tempo um meio e um fim, e que, para isso, não se pode reduzir tudo a uma questão de aumento da renda: a ampliação do conhecimento e a melhoria das condições de vida de maneira a permitir uma existência longa e saudável são no mínimo tão importantes quando a renda. Estavam definidas, assim, as três dimensões fundamentais do desenvolvimento. O IDH vem, desde então, sendo adotado como referência crescente para governos e pesquisadores dos quatro cantos do mundo.

No que diz respeito à questão da preservação dos recursos naturais, embora a retórica ambiental tenha surgido antes do debate sobre desenvolvimento humano, tendo como marco a Conferência de Estocolmo, no início dos anos setenta, foi somente nos meados dos anos oitenta que ela ganha corpo com a definição da noção de desenvolvimento sustentável, cunhada pela Comissão Brundtland, em 1987. Ali, o desenvolvimento sustentável é definido como “...o processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, (...) é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atende à suas próprias necessidades” (Comissão Brundtland, 1988). A idéia do desenvolvimento sustentável ganha força desde então e atinge sua máxima consagração na nova conferência das Nações Unidas para o meio-ambiente, a Rio-92.

A partir daí vários foram os esforços de operacionalizar a noção do desenvolvimento sustentável através de indicadores e sistemas de indicadores, muito embora ainda não se tenha chegado a um instrumento de tamanha aceitação como IDH. Uma das mais frutíferas experimentações foi elaborada por centros de pesquisa das universidades de Yale e de Columbia nos Estados Unidos e deu origem ao Environmental Sustainability Index (ESI), um índice calculado para a quase totalidade dos países do mundo e que abrange as dimensões institucional e de preservação dos recursos naturais (Global Leaders, 2002) Todavia, nem este estudo nem outras iniciativas em curso chegam sequer perto da aceitação de que goza o IDH. Para isto certamente contribuem o caráter ainda recente de tais experimentos e, talvez principalmente, a relativa nebulosidade e falta de consenso que ainda cercam a noção de desenvolvimento sustentável. Mas mesmo no caso do IDH, apesar dessa sua larga aceitação, há uma série de críticas que precisam ser consideradas para sua boa utilização ou para a formulação de novos indicadores de desenvolvimento.

A primeira crítica que se faz ao IDH diz respeito às dimensões que compõem o indicador. Muito embora se reconheça que a renda, longevidade e educação são fundamentais no desenvolvimento humano, somente a dificuldade em se obter indicadores confiáveis para os recursos naturais e para a civilidade pode justificar a ausência dessas dimensões na composição final do índice. O contraste do desempenho de vários países no IDH e no ESI ilustra esta crítica: países de alto IDH como Estados Unidos, Japão, Alemanha, para citar apenas alguns, teriam que deixar o bloco dos países mais desenvolvidos do mundo se a dimensão ambiental fizesse parte dos indicadores a serem avaliados (Veiga, 2003-a; 2005)

A segunda crítica refere-se à metodologia de cálculo do índice, marcadamente à opção por se proceder a uma média aritmética dos valores obtidos individualmente nas dimensões renda, longevidade e educação para se obter o valor do IDH. O que se argumenta contrariamente a esta opção é que a média das três dimensões está longe de ser a melhor maneira de captar o grau de desenvolvimento de uma coletividade; ao contrário, deve-se supor que é justamente nas discrepâncias entre o nível de renda obtido por esta coletividade e seu padrão social que está o cerne da questão. Em resumo, neste quesito a crítica repousa sobre a própria pertinência de se formularem ou não índices sintéticos (Veiga, 2003-b/2005; Januzzi, 2000; Ryten, 2000).

A terceira crítica, por fim, diretamente relacionada à anterior, se endereça à forma final de apresentação do IDH: a formulação de rankings de desempenho das unidades cobertas pelo índice. Aqui o principal argumento é que a alta dose de arbítrio na definição dos pesos dados a cada uma das dimensões individuais associada ao recurso da média aritmética para composição final do índice induz a distorções que fazem com que países, ou unidades de federação, ou ainda municípios muito diferentes ocupem posições semelhantes no ranking. Isto é, um município muito pobre mas com bons indicadores sociais poderia aparecer na mesma posição do ranking que um município rico, mas com indicadores ruins de longevidade, por exemplo. Na mesma direção, como concluir quem deve estar na posição mais alta do ranking: um município onde as pessoas têm uma vida mais longa e uma renda baixa, ou um município onde as pessoas têm uma expectativa de vida mais curta mas um nível de renda maior ? (Veiga, 2003-c; 2005).

Estas críticas não invalidam a importância do IDH que, mesmo com os limites apontados, continua a ser o melhor recurso disponível para se comparar o desenvolvimento das nações, estados ou municípios. O que se quer destacar com estas críticas são os cuidados necessários com sua manipulação e, sobretudo, as lacunas que ainda podem ser cobertas através do aperfeiçoamento de sua metodologia e da formação de novos sistemas de indicadores. Daí a importância em se interrogar como os esforços recentes dos órgãos de pesquisa no Brasil têm respondido a essa necessidade de se elaborar indicadores de terceira geração: indicadores que possam romper com a unidimensionalidade da primeira geração, expressa no PIB per capita, e que possam, juntamente a isso, suplantar algumas das limitações da segunda geração, representada pelo IDH. A isso é dedicada a próxima parte do texto.

2
A produção de indicadores de desenvolvimento no Brasil


No caminho aberto pelo IDH, várias iniciativas têm buscado a formulação de índices capazes de captar o estado e a evolução do desenvolvimento em diferentes escalas do território nacional. No caso brasileiro, um marco inegável é a adaptação da metodologia do IDH para a escala municipal, que ficou conhecida como IDH/M, elaborada pelo consórcio formado pelo IPEA, Fundação João Pinheiro, IBGE e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (IPEA/IBGE/FJP/PNUD, 1998; PNUD/2005).

O IDH Municipal é um indicador semelhante ao IDH, cobrindo as mesmas dimensões. As principais diferenças introduzidas, além da escala de aplicação, dizem respeito às variáveis escolhidas, principalmente para as dimensões renda e educação. Para a dimensão educacional, o IDH/M trabalha com o número médio de anos de estudo, enquanto o IDH trabalha com o nível de matrícula no conjunto dos três níveis de ensino. Para a dimensão renda, o IDH/M utiliza a variável a renda familiar per capita média, enquanto no IDH é adotado o PIB per capita médio em dólares corrigido por um índice de paridade do poder de compra.

No mesmo estudo foi divulgado também um novo índice – o Índice de Condições de Vida (ICV). Neste indicador o número de dimensões foi ampliado, trabalhando-se com um conjunto de vinte indicadores. Muito embora seja de grande utilidade para se acompanhar o desempenho dos municípios em um rol mais amplo de questões, o ICV não tem tido a mesma aderência que o IDH em pesquisas e planejamento de políticas, possivelmente por não estar ancorado em uma conceituação tão sólida.

Procurando responder a indagações mais específicas, outros indicadores têm sido produzidos. Vale citar o trabalho coordenado por Márcio Pochmann, voltado para captar com precisão justamente um aspecto do desenvolvimento, a exclusão social; no seu “Atlas da exclusão social no Brasil” é veiculada uma série de indicadores elaborados prioritariamente para regiões metropolitanas (Pochmann et al, 2003). Também o trabalho do IBGE, orientado para a produção e veiculação de indicadores de sustentabilidade merece ser lembrado, embora nele o foco não seja indicadores municipais, mas nacionais e estaduais (IBGE, 2002) .

Um terreno fértil para a produção de ricas e sofisticadas experiências de elaboração de indicadores são os órgãos de pesquisa estaduais, cuja produção ainda é muito pouco conhecida. Através do levantamento que deu origem a este texto foi possível observar que pelo menos oito estados têm se empenhado na construção de indicadores e sistemas de indicadores de desenvolvimento para o âmbito municipal. São eles: Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Ceará, Goiás.

A apresentação detalhada dos indicadores produzidos em cada um destes estados demandaria um espaço maior do que o que este texto permite, além de ser algo extremamente repetitivo e, pois, cansativo. Entretanto, uma rápida exposição da estrutura geral dos índices formulados parece ser válida, não só no intuito de dar visibilidade a esses esforços como, sobretudo, de permitir que sejam tecidas algumas considerações sobre o alcance e os limites presentes em tais iniciativas .

Rio Grande do Sul

A Fundação de Economia e Estatística ligada ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul vem elaborando desde meados da década de noventa o Índice Social Municipal Ampliado (ISMA). Trata-se de um indicador síntese elaborado para o conjunto de municípios segundo os Conselhos Regionais de Desenvolvimento, os Coredes (Barbieri, 2001; Dobrowsky, 2002).

O ISMA trabalha com um amplo conjunto de variáveis selecionadas segundo a representatividade das condições sócio-econômicas destes municípios e de acordo com as possibilidades de sua reprodução anual, e tendo por base informações de esferas de governo, registros administrativos e estimativas próprias. Os quatorze indicadores obtidos a partir deste conjunto de variáveis são, posteriormente, agrupados em quatro blocos: condições de domicílio e saneamento, educação, saúde e renda.

A formulação dos indicadores individuais é feita de maneira que os índices variem de 0,0 a 1,0, o que permite classificar os municípios numa escala do melhor para o pior desempenho. Nos indicadores individuais são atribuídos pesos distintos às diferentes variáveis. Já na elaboração do índice sintético, as quatro dimensões aparecem com pesos idênticos.

Atualmente estão disponíveis versões do ISMA que cobrem o período que vai de 1991 a 1996, e uma versão com os dados relativos a 1998.

São Paulo

Em São Paulo, a Fundação Seade, a pedido da Assembléia Legislativa, elaborou o Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS): um sistema de indicadores fortemente inspirado no IDH mas que procura supera algumas de suas limitações. Especificamente, o IPRS procura inovar ao produzir indicadores que possam ser atualizados no curto prazo e ao evitar os inconvenientes dos indicadores sintéticos, como já foi sublinhado anteriormente (ALSP &Fundação Seade, 2001; 2003)

Perseguindo esse intuito, o IPRS procurou preservar as dimensões que conformam o paradigma do desenvolvimento humano (renda, educação e longevidade), mas buscando identificar fontes alternativas de dados, em especial registros administrativos, que permitissem a atualização do indicador num horizonte de tempo mais curto. Após isso, o tratamento das variáveis através da utilização de técnicas estatísticas multivariadas, permitiu o agrupamento dos municípios por situações sócio-econômicas semelhantes, evitando a elaboração de um índice final sintético e o conseqüente ranking de municípios em escala decrescente.

O resultado foi a obtenção de treze diferentes variáveis, agrupadas com pesos diferenciados em cada uma das três dimensões fundamentais. O contraste do desempenho dos municípios nos três índices relativos às dimensões fundamentais deu origem ao agrupamento dos municípios paulistas em cinco situações: a) os municípios que têm apresentado um nível elevado de riqueza, combinados com bons níveis nos indicadores sociais; b) os municípios que, embora com níveis de riqueza elevados não são capazes de atingir bons indicadores sociais; c) os municípios que mesmo com nível de riqueza baixo apresentam bons indicadores nas demais dimensões; d) os municípios com nível de riqueza baixo mas com nível médios de longevidade e conhecimento; e) os municípios e pior situação, com desempenho ruim tanto em termos de riqueza como de longevidade e educação.

O primeiro relatório do IPRS trouxe os dados para os anos de 1991 e 1996. O segundo, com dados de 2000 e 2001 foi divulgado em fins de 2003.

Rio de Janeiro

No Rio de Janeiro os esforços da Fundação CIDE (Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro) têm se traduzido na elaboração do Índice de Qualidade dos Municípios (IQM). O IQM classifica os municípios fluminenses de acordo com seu potencial e condições instaladas para o crescimento e o desenvolvimento. O objetivo é verificar a estrutura disponível nos municípios, identificar centros dinâmicos, e indicar municípios que estão acima ou abaixo de um determinado padrão para recepção de novos investimentos.

Para a elaboração do IQM trinta e oito variáveis são transformadas em índices de 0,0 a 1,0 e posteriormente agrupadas com pesos diferenciados em sete índices setoriais sintéticos: a) centralidade e vantagem locacional; b) qualificação da mão-de-obra; c) riqueza e potencial de consumo; d) facilidades para negócios; e) infra-estrutura para grandes empreendimentos; f) dinamismo; g) cidadania. Posteriormente, os índices setoriais são agrupados com pesos diferentes no indicador sintético IQM.

A primeira edição do IQM foi elaborada em 1998, com a utilização de variáveis referentes a 1995 e 1998. A Segunda edição esta em fase de elaboração, devendo ser divulgada em breve (Fundação CIDE, 2003).

Minas Gerais

A Fundação João Pinheiro, de Minas Gerais, é uma das instituições que participou da elaboração do IDH/M e do ICV. Como esses índices foram apresentados páginas atrás, as informações a eles relativas não serão retomadas aqui.

Além da Fundação João Pinheiro o Cedeplar, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais, também têm investido na formação de um indicador municipal de desenvolvimento. Aqui, a novidade é a busca de um indicador que expresse mais do que o desenvolvimento, as condições de sustentabilidade.

A sustentabilidade urbana é entendida nesse caso como uma combinação de processos que envolvem estado dos recursos, processos de pressão sobre o estado dado, e tendências de resposta aos processos em curso. Trinta e cinco variáveis dão origem a dezesseis indicadores, por sua vez agrupados em três índices temáticos: Índice de Qualidade Ambiental, Índice de Qualidade de Vida, e Índice de Capacidade Política Institucional. Estes três índices temáticos dão origem, finalmente, ao índice sintético que espelha a sustentabilidade urbana.

O Índice de Sustentabilidade Urbana ainda se encontra em fase de aperfeiçoamento. Foram realizados primeiros testes na Bacia do Rio Doce, em Minas Gerais, e posteriormente testes comparados para as Regiões Metropolitanas de São Paulo e Belo Horizonte e para a /bacia do Piracicaba em minas Gerais (Braga et al., 2002) .

Espírito Santo

No Estado do Espírito Santo o Instituto de Apoio à Pesquisa e ao Desenvolvimento Jones dos Santos Neves (IPES) elaborou recentemente o Índice de Desenvolvimento dos Municípios do Espírito Santo (IDM-ES), tendo por referência dados de 1998 e 2000.

O IDM-ES é um índice sintético composto pela média ponderada de cinco índices setoriais: Índice de Desenvolvimento Social, Índice de Finanças Municipais, Índice de Desenvolvimento Econômico, e Índice de Infra-estrutura para Grandes e Médios Empreendimentos. Nestes índices setoriais estão reunidas trinta e quatro variáveis.

Com esta estrutura, o IDM-ES permite não só a formulação de um ranking dos municípios capixabas, mas também uma leitura do desempenho dos municípios em áreas específicas, a saber: a) a disponibilidade e capacidade relativa de atendimento dos principais equipamentos urbanos; b) as desigualdades relativas às condições de saúde, educação, renda pessoal e segurança; c) as desigualdades relativas á gestão das finanças municipais; d) a diferença entre os municípios no que se diz respeito ao tamanho per capita de sua economia; e finalmente e) a capacidade que cada município possui de atender às necessidades de infra-estrutura para empreendimentos de médio e grande porte.

O IDM-ES é elaborado para a escala municipal, com apresentação agregada também para as escalas regional e estadual (IMES, 2002).

Bahia

A Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais (SEI), órgão responsável pela produção de estatísticas do governo baiano, trabalha com uma cesta de indicadores de acompanhamento da atividade econômica e da situação social do estado, onde se destacam o Índice de Desenvolvimento social (IDS) e o Índice de Desenvolvimento Econômico (IDE).

Diferente da experiência de outros estados, a SEI optou por não construir um índice único expressando o desempenho econômico e social, mas sim dois índices distintos que podem, eventualmente, ser contrastados.

O Índice de Desenvolvimento Social é um índice sintético voltado para captar mudanças ocorridas no curto prazo, sendo composto pela média de índices setoriais de saúde, educação, oferta de serviços básicos, e renda média de chefes de família. Nestes índices setoriais estão agregadas onze variáveis.

A periodicidade do índice é bianual, embora todas as informações utilizadas sejam organizadas em base anual. Atualmente estão disponíveis versões para 1994, 1996, 1998 e 2000.

Já o Índice de Desenvolvimento Econômico, também um indicador sintético, se propõe a estimar a evolução do desenvolvimento econômico no âmbito dos municípios baianos. Ele é resultado da média obtida a partir de índices setoriais de infra-estrutura, qualificação da mão-de-obra e do produto municipal, através dos quais são organizadas seis variáveis específicas.

A periodicidade dos dados e as séries disponíveis atualmente são as mesmas indicadas acima para o IDS.

Ceará

Em 1995 o Instituto de Planejamento do Ceará (Iplance) organizou uma série intitulada Ranking dos municípios: indicadores selecionados. Este estudo foi, posteriormente, retomado visando a elaboração de um índice sintético que permitisse a hierarquização dos municípios: o Índice de Desenvolvimento Municipal (IDM).

O IDM é composto de trinta variáveis organizadas em quatro grupos: indicadores fisiográficos, fundiários e agrícolas; indicadores demográficos e econômicos: indicadores de infra-estrutura e apoio; e indicadores sociais.

Para cada um dos grupos obteve-se um índice específico formulado a partir de técnica multivariada de análise fatorial. Os índices obtidos foram convertidos para a escala de 0 a 100. Posteriormente, os índices de cada grupo formam, com pesos distintos, o índice sintético de desenvolvimento municipal. Os dados utilizados são disponibilizados anualmente. As séries disponíveis do IDM cobrem os anos de 1995, 1997 e 2000.

Além do IDM, está previsto para o próximo período o calculo de dois novos indicadores: o Índice de Desenvolvimento Social (IDS) e o Índice de Metas sociais (IMS).

O IDS faz parte do Sistema de Metas Social lançado em 2003 pelo Governo do Estado do Ceará, e é composto por dois índices: um IDS-Resultados e um IDS-Oferta. Ambos estão sendo formulados de forma a cobrir seis campos: educação, saúde, condições de moradia, segurança pública, emprego e renda, desenvolvimento rural. Após a seleção das variáveis está prevista a padronização dos indicadores na escala 0,0 a 1,0 tendo por limites o pior e o melhor resultado alcançados nos municípios cearenses.

O IMS, que também faz parte do Sistema de Metas sociais, está sendo elaborado de maneira a espelhar o desempenho dos municípios nas dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda, educação e longevidade.

Goiás

Tal como no caso da Bahia, em Goiás a Superintendência de Estatística, Pesquisa e Informação da Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento trabalha com dois índices sintéticos: um Índice de Desenvolvimento Econômico, e um Índice de Desenvolvimento social.

No IDS, são trabalhadas vinte e uma variáveis, agrupadas em quatro índices setoriais: Indicador de nível de saúde; Indicador do nível de educação; Indicador de serviços básicos; Indicador da faixa de rendimento da mão-de-obra formal. O IDS é obtido a partir da média dos índices setoriais.

Para o IDE, são analisadas oito variáveis, agrupadas em três índices setoriais: Indicador de infra-estrutura; Indicador de qualificação da mão-de-obra formal; Indicador de renda municipal per capita. Assim como no IDS, o IDE é obtido a partir da média dos valores obtidos em cada índice setorial.

Tanto o IDS como o IDE deverão ter a primeira série publicada nos próximos meses, tendo por base os dados de 2000 .

3
Uma análise dos esforços em curso e
os desafios para o futuro


Como foi sublinhado páginas atrás, o intuito aqui não é proceder a críticas ou avaliações dos indicadores elaborados nos órgãos de pesquisa, e sim a um exercício de comparação e diálogo. Nessa direção, o primeiro destaque não poderia ser outro senão a constatação do expressivo número de iniciativas em curso, ainda demasiadamente desconhecidas dos próprios órgãos de pesquisa que, por excelência, se debruçam por sobre este tipo de instrumento. Chama a atenção também as disparidades regionais expressas neste primeiro mapeamento. Se de um lado é verdade que certamente devam existir outras experiências que não foram alcançadas neste levantamento, de outro, não deve ser mero acaso o fato de que no caso da região sudeste a totalidade dos estados que a compõem têm produzido iniciativas nesse sentido, e que, na ponta inversa, nenhum dos órgãos de pesquisa dos estados da região norte (justamente onde o debate sobre sustentabilidade é mais presente) tenha apresentado experiências em curso.

Em resumo, os órgãos de pesquisa têm em suas mãos uma numerosa e valiosa produção, mas ainda desigualmente distribuída pelos quatro cantos do país e desconhecida por seus pares. O caráter ainda recente destas experiências e sua diversidade mesmo não permitem que se chegue a uma tipologia precisa dos índices que vêm sendo elaborados. Mas pode-se perceber alguns contrastes e pontos de diálogo, tanto em termo dos objetos que levaram à elaboração de tais indicadores, como em termos da metodologia adotada.

No que diz respeito aos objetivos, o que impacta diretamente o escopo de variáveis escolhidas e sua forma de apresentação, pode-se dizer que os indicadores produzidos buscam responder combinada ou isoladamente a dois tipos distintos de preocupação. A primeira é avaliar a evolução da situação econômica e social e contribuir para o melhor monitoramento de políticas públicas – esse é o caso da maioria dos indicadores, sobretudo daqueles que se atém ao enfoque das três dimensões fundamentais do desenvolvimento humano (caso do ISMA, no Rio Grande do Sul, por exemplo). A segunda preocupação, que por vezes aparece combinada à primeira, por vezes com supremacia em relação à primeira, é a sinalização das condições dos municípios para investimentos públicos e privados – esse é o caso dos indicadores que buscam abordar as chamadas vantagens comparativas dos municípios ou suas condições de infra-estrutura (caso do IQM, no Rio de Janeiro, por exemplo).

No que diz respeito à metodologia, há uma grande diversidade na seleção das variáveis e diferentes composições de dimensões fundamentais cobertas pelos indicadores. Mas vale destacar três diferentes formas finais de cálculo do índice. Uma primeira fórmula obedece à tradição iniciada com o IDH e que consiste na elaboração de rankings de municípios tendo por base indicadores sintéticos finais (como no IDM, no Espírito Santo). Outra forma é a elaboração de tipologias, com um agrupamento dos municípios por situações similares em relação a seu desempenho nas dimensões riqueza e indicadores sociais (como no IPRS, em São Paulo). E uma terceira forma é a construção de indicadores específicos (às vezes também sintéticos) para cada uma das dimensões, deixando aberta a possibilidade de comparação entre o desempenho nos indicadores econômicos e nos indicadores sociais (caso do IDS e do IDE, na Bahia).

Note-se que todas estas experiências tiveram início na segunda metade dos anos noventa, alguma delas somente há poucos anos. Por isso, embora o desejável seja se caminhar na direção de uma maior confluência nas metodologias, o caráter ainda recente das iniciativas em curso leva a crer que será necessário um maior tempo para sua maturação e balanço. Mesmo com essa ressalva, este primeiro levantamento e as breves considerações aqui expostas permitem pontuar quatro grandes desafios, que podem ser a base para esforços futuros:

a) Dimensão ambiental como principal lacuna – Somente uma das experiências apresentadas tem ousado formular indicadores capazes de captar a dimensão ambiental. Se, de um lado, sabe-se que há uma enorme dificuldade no acesso a dados consistentes, representativos e confiáveis, de outro, experiências como a das Universidades de Columbia e Yale, as quais produziram um indicador que cobre a quase totalidade dos países do mundo, mostram que há espaço para se ir além e começar a tatear na direção de construir um indicador de sustentabilidade ambiental que possa ser contrastado com as demais dimensões. Os esforços que vem sendo feitos nos últimos anos no IBGE também merecem destaque. Neste caso, em particular, o grande problema, além da ausência de algumas variáveis importantes (como a perda de solos por erosão, por exemplo) é ao nível de agregação dos dados, que não alcança a escala municipal ou micro-regional.

b) Capital social e desempenho institucional – Teorias recentes do desenvolvimento têm destacado que a capacidade de articulação dos atores locais e as instituições (formais ou não) são os principais fatores responsáveis pela ocorrência de bons indicadores sociais e de riqueza. Contudo, poucas são as tentativas de traduzir estas dimensões em indicadores. Em parte isso se deve ao caráter eminentemente qualitativo de cada uma delas. Em parte, deve-se também ao caráter ainda recente de sua análise e tratamento. Um índice que pretenda representar não só o estado atual do desenvolvimento, mas também as condições para impulsiona-lo não pode, contudo, ignorá-las. Pesquisas internacionais têm avançado especificamente na formulação de indicadores de capital social, já com reflexos em programas de estudo brasileiros.

c) Índices sintéticos X tipologias – Como destacado anteriormente, os índices sintéticos apresentam um problema sério: eles apagam os contrastes entre as diferentes dimensões, diluindo-os em uma média aritmética. Por isso mais interessante do que elaborar fórmulas matemáticas é elaborar tipologias baseadas na confrontação entre o desempenho das diferentes dimensões dos índices. Com isso o problema da ponderação de peso entre variáveis fica restrito aos indicadores das dimensões individuais.

d) A legitimação dos indicadores – Um quarto desafio, nada desprezível, é a legitimação dos indicadores produzidos pelos órgãos de pesquisa no planejamento das políticas públicas e em sua posterior avaliação e monitoramento. Não é raro encontrar governos que, mesmo dispondo de indicadores mais sofisticados do que o IDH, não os utilizam. E mesmo na utilização do IDH, é fácil perceber o quanto ele influencia a moldagem das políticas públicas, mas ainda está longe de ser a base para a avaliação e o monitoramento dos recursos investidos. Fazer dos índices e sistemas de indicadores a base para uma maior contratualização das políticas de governo é um passo essencial não só para a legitimação dos indicadores mas, principalmente, para a própria eficácia do planejamento governamental. É para isso que devem servir os indicadores. É nessa direção que devem se concentrar os esforços dos corpos técnicos dos órgãos de pesquisa e planejamento.


4
Um esboço de metodologia


O balanço traçado nas páginas anteriores deu origem a um Sistema de Indicadores Analíticos de Desenvolvimento Territorial. A necessidade de uma ferramenta como esta já havia sido identificada em estudos sobre o desenvolvimento nos espaços rurais brasileiros (por exemplo em Favareto & Demarco, 2002). Em 2004 isto foi retomado no âmbito do projeto conveniado entre a Escola Sindical São Paulo e o Ministério do Trabalho. Ali se propôs a formulação de indicadores de desenvolvimento visando melhor subsidiar a definição de políticas públicas destinadas à qualificação de trabalhadores e a formas de promoção do desenvolvimento em escala territorial.

Antes de passar do diagnóstico da produção existente à proposição de uma metodologia capaz de contornar ou minimizar alguns dos limites identificados, convém esclarecer alguns pontos importantes que alicerçam o que virá nas páginas seguintes.

Por que o território como escala ?

É fundamental tomar o território como escala de monitoramento dos processos de desenvolvimento e de formulação de políticas e iniciativas por ao menos quatro motivos. Primeiro, porque um dos principais traços do desenvolvimento brasileiro é a questão da desigualdade; desigualdade que se expressa em termos de classes e grupos sociais, em termos de gênero, e também em termos espaciais. Por isso, para além das grandes tendências nacionais é preciso interrogar como elas repercutem diferenciadamente nas várias regiões. É isso que pode permitir uma leitura mais precisa da heterogeneidade brasileira. Segundo, porque é importante focalizar uma escala dos processos de desenvolvimento na qual seja possível pensar como as relações sociais, envolvendo pessoas, instituições e organizações, influenciam na direção assumida. As teorias mais recentes têm destacado esse aspecto valendo-se da noção de capital social, isto é, procurando mostrar como a posse de determinados tipos de relações entre agentes pode ser mobilizada em diferentes direções, afetando com isso as possibilidades dos grupos sociais ali existentes. Terceiro, porque o movimento de descentralização das políticas públicas tem, cada vez mais, atribuído responsabilidades à esfera local. E como os municípios são, muitas vezes, excessivamente reduzidos para dar conta de dinâmicas econômicas e sociais, a escala territorial emerge como a mais pertinente para se pensar o desenho de políticas e processos com esse intuito. Quarto, porque a abordagem territorial permite levar em conta o conjunto de fatores locais e a interdependência entre eles, em vez dos setores da economia, ou certos produtos, como na abordagem setorial; isto tem a vantagem de trazer para a equação a ser montada em torno das possibilidades do território todos os elementos que lhe são constitutivos, sejam eles produtivos ou sociais, comerciais ou não diretamente mercantis.

Por que os movimentos sociais ou governos precisam de um indicador territorial ?

Um índice de desenvolvimento territorial é uma ferramenta que pode se mostrar de grande utilidade para qualquer organismo governamental ou da sociedade civil que pretenda ser um agente dos processos de desenvolvimento por dois motivos: permitir uma leitura mais precisa dos contrastes espaciais e, com isso, contribuir para a elaboração de agendas melhor circunstanciadas, e também por ser uma base fundamental para o bom monitoramento da evolução destes indicadores ao longo do tempo.

Quais as dimensões de um Sistema de Indicadores Analíticos de Desenvolvimento Territorial ?

Considerando o balanço das experiências existentes, de um lado, e estas observações sobre a utilidade de um sistema de indicadores territoriais, de outro, pode-se dizer que seria preciso a elaboração de uma ferramenta que: i) cobrisse dimensões fundamentais dos processos de desenvolvimento para além daquelas três tradicionalmente valorizadas pelas experiências já constituídas: a renda, os indicadores sociais, e a dimensão ambiental; ii) que não ficasse limitada a uma perspectiva que Márcio Pochmann chamou certa vez de “indicadores contemplativos”, isto é, que oferecem um retrato da realidade de algum valor para a crítica social, mas que pouco dizem sobre os reais problemas e possibilidades do desenvolvimento naqueles espaços; iii) que pudessem trazer variáveis referidas à uma escala dos processos de desenvolvimento menos abrangente e generalizante que a escala estadual ou nacional.

Destas três pretensões vem o nome aqui adotado – Sistema de Indicadores Analíticos de Desenvolvimento Territorial. Pretende-se propor um sistema e não um índice sintético porque o objetivo é construir uma abordagem multidimensional, que enfatize a relação entre as dimensões e não uma artificial síntese delas todas. Pretende-se um sistema de indicadores analíticos porque seu resultado tem que resultar num diálogo com as principais teorias e idéias estabelecidas sobre os processos de desenvolvimento, mais portanto do que uma mera descrição. Pretende-se, por fim, um sistema de indicadores analíticos de desenvolvimento territorial porque é nesta escala que melhor se pode apreender a heterogeneidade da manifestação desigual de tais processos.

O desenho geral que reflete a concepção do Sistema de Indicadores pode ser resumido no quadro a seguir, onde estão expressas as três dimensões em que devem ser organizados os dados, os onze indicadores individuais que as compõem, e as trinta e duas variáveis que agregam as informações reunidas e processadas.






Quais as inovações trazidas com esta proposta de Sistema de Indicadores Analíticos de Desenvolvimento Territorial ?

Conforme se pode visualizar no quadro, as três dimensões destacadas são: as condições institucionais para o desenvolvimento, o desempenho social e econômico, e a estrutura social e econômica. Em geral os indicadores se atém à terceira destas dimensões: os resultados dos processos de desenvolvimento em termos econômicos e sociais. Isto é sem dúvida importante, à medida que a melhoria da renda, da expectativa de vida ou do nível educacional ampliam as possibilidades das pessoas, convertendo-se, assim, a um só tempo, em resultados e em fatores de desenvolvimento (Sen, 1998). Porém, a análise do desempenho de um território nestes indicadores pouco diz sobre as possibilidades que eles têm, de fato, em melhora-los. Aqui há uma primeira novidade em relação aos indicadores conhecidos: a introdução da dimensão relativa às condições institucionais para o desenvolvimento. Certamente há territórios que já possuem uma boa capacidade instalada para melhoria destes indicadores econômicos e sociais, onde toda a questão é saber como fazer com que este estoque seja mobilizado de maneira a levar à situação desejada. Em outros, por sua vez, será preciso ainda criar este conjunto de condições. Visualizar estas distintas situações é algo em que este desenho inovador aqui proposto pretende contribuir.

Além disso o Sistema de Indicadores Analíticos de Desenvolvimento Territorial (IDT) propõe ainda a adoção de uma terceira dimensão, esta totalmente ausente em todos os indicadores apresentados nas partes anteriores: a dimensão da estrutura social e econômica. Parte-se do pressuposto de que as características do tecido social de um território importam, e muito, na configuração do campo de possibilidades em que se inscreve seu futuro. A hipótese que precisa ser testada é que aqueles territórios cujo tecido social se apóia em formas mais diversificadas e descentralizadas é mais favorável à criação de articulações e instituições capazes de favorecer a geração de riquezas acompanhada da melhoria da qualidade de vida de suas populações, em oposição àqueles espaços que têm por característica marcante a dependência de grandes e especializadas atividades econômicas. O alcance desta hipótese é particularmente importante quando se pensa os termos em que está posto o debate brasileiro atual. Será que aquelas regiões que têm tido seu dinamismo apoiado, por exemplo, na produção de grãos para exportação apresentam melhores resultados para as pessoas que ali vivem do que aquelas baseadas em uma estrutura produtiva mais pulverizada e menos rígida ? A noção de capital social, crescentemente enfatizada em diversos estudos acadêmicos e na proposição de políticas públicas, tem poder explicativo para as desigualdades espaciais no Brasil ?

Por fim, também nas partes que deverão compor cada uma destas três dimensões há uma tentativa de inovação. Na dimensão do desempenho social e econômico, é introduzido um indicador de desigualdade, já que este é o traço marcante da trajetória do desenvolvimento brasileiro, em geral ignorada nos indicadores já produzidos. Ainda nesta mesma dimensão do desempenho, propõe-se também a introdução de um indicador de ocupação e emprego, por considerar que esta é outra questão fundamental para as opções da sociedade brasileira contemporânea: como promover o desenvolvimento de uma maneira que incorpore mais pessoas ao processo produtivo, em vez de simplesmente descartá-las pelo progresso tecnológico. Na dimensão das condições institucionais para o desenvolvimento todos os indicadores individuais propostos são, em boa medida, inovadores: um indicador de capacidade econômica visa aquilatar o volume de recursos que o território pode mobilizar em investimentos capazes de dinamizar sua base produtiva e sua infra-estrutura social; um indicador de ambiente educacional objetiva aferir a existência não só de escolas mas de equipamentos culturais e científicos, de emissoras de rádio até centros de pesquisa, passando obviamente pelas estruturas de ensino formal em todos os níveis; um indicador de preocupação ambiental, na ausência de dados melhores, é proposto para identificar a existência de instituições que sinalizem uma sensibilidade do território para este tema; e finalmente um indicador de democratização institucional é proposto por se considerar que onde há maiores espaços de participação há melhores condições de se fazer com que a população alvo de uma política possa influenciar em seus contornos, contribuindo assim para melhorar sua eficiência. E na dimensão da estrutura social e econômica, por fim, os indicadores propostos visam captar o capital social de um território - isto é, a existência de redes de relações sociais que podem ser mobilizadas como um trunfo para seu dinamismo econômico e social – e a estrutura produtiva local, se mais ou menos concentrada, se mais ou menos diversificada. Tudo isso para interrogar se estes aspectos têm mesmo, como sugerem abordagens teóricas contemporâneas, um peso determinante na determinação do futuro destes territórios.

Todas estas inovações estão fortemente ancoradas no estágio atual do debate brasileiro e internacional sobre as tendências e as razões do desenvolvimento, muito brevemente expostas nas partes anteriores deste texto, e também na disponibilidade de dados capazes de permitir a formulação de um indicador preciso na escala espacial desejada (micro-regiões ou municípios). A apresentação mais circunstanciada destas teses, assim com a definição precisa de cada indicador e quais as fontes em que eles estão disponíveis, além é claro das variáveis que compõem cada um deles e seu peso, são objeto do relatório final do estudo, onde estão também apresentados alguns dos resultados preliminares da aplicação do IDT.

O procedimento geral que orientou o trabalho foi o que segue. Inicialmente foram reunidas as informações relativas a cada variável. O ano das informações é, via de regra, 2000; e para vários indicadores foi adotado o ano 1991 para efeitos de comparação da evolução. Após isso, procurou-se um mecanismo estatístico que permitisse diferenciar situações de destaque, de situações negativas, e também um grupo de situações intermediárias. Este procedimento foi adotado para cada variável. Posteriormente fez-se o mesmo para cada indicador individual. E, finalmente, a mesma categorização em três faixas para os indicadores de cada uma das três dimensões principais. Na maior parte dos casos o procedimento padrão consistiu em divisar três categorias: a) Municípios situados acima da média obtida na soma dos valores individuais; b) Municípios situados entre a média e a mediana obtidas no conjunto dos valores individuais; c) Municípios situados abaixo da média ou da mediana obtida sobre os valores individuais.

A forma de exposição dos dados se orientou pela tipologia dos territórios rurais e urbanos formulada inicialmente em Veiga et al. (2001), que se apóia em critérios de densidade populacional, localização e tamanho da população. Assim, os resultados obtidos são sistematizados para cinco anéis territoriais: a) as regiões metropolitanas; b) as aglomerações urbanas não-metropolitanas; c) os centros urbanos isolados; d) os municípios ambivalentes (rural-urbano); e) os municípios rurais.

Dois desafios iniciais já podem ser considerados vencidos. O primeiro é a montagem de um banco de dados consistente, com um conjunto de variáveis razoavelmente diversificado, e cobrindo dimensões e aspectos até então ausentes dos demais indicadores já existentes. O desenho do Sistema de Indicadores Analíticos de Desenvolvimento Territorial (IDT), aqui apresentado representa esta inovação. O segundo desafio é o delineamento de um primeiro retrato das faces do desenvolvimento brasileiro. As tabelas que estão sendo elaboradas neste momento, das quais dois exemplos são aqui apresentados nos anexos, dão relevo à afirmação de que uma das principais marcas da trajetória recente do país é a heterogeneização. O que se percebe tanto pela manifestação espacial desigual do conjunto de indicadores como pelas mais variadas combinações de desempenho em dimensões específicas, no âmbito de um mesmo território.

Os próximos passos a serem dados, de acordo com o percurso inicialmente sugerido, são quatro. Eles devem orientar os esforços futuros de continuidade em torno do Sistema de Indicadores aqui apresentado.

a) aperfeiçoamento da consistência dos indicadores e variáveis utilizados – Em trabalhos deste tipo é natural que se proceda a uma série de testes até que se tenha segurança dos critérios de corte utilizados nas classificações adotadas. Isto muitas vezes requer o conhecimento de especialistas naquela dimensão ou tema. Pretende-se submeter o retrato até o momento produzido visando recolher impressões e críticas capazes de melhorar as partes que compõem o sistema e a relação que ele propõe entre elas.

b) introdução de bases de dados especiais – Por conta do tempo extremamente exíguo em que se deu a elaboração deste Sistema de Indicadores, acabou não sendo possível incorporar todos os dados disponíveis. Muitas bases estavam organizadas de maneira não compatível com o modelo adotado aqui. Nada impede, contudo, que ao longo dos próximos meses estas bases possam ser recompostas de maneira a passar a integrar este Sistema, complementando-o com variáveis que tiveram que ser, neste momento, descartadas.

c) coleta e análise de dados primários – O alcance dos dados organizados neste Sistema será tão mais amplo quanto mais fidedignas sejam as informações que o alimentam. A metodologia inicial propunha dois momentos de coleta de dados primários. Um primeiro diz respeito ainda à montagem do banco de dados geral. Espera-se que na continuidade dos esforços deste estudo sejam feitos testes de pesquisas rápidas visando reunir dados não disponíveis nas fontes secundárias. Um segundo diz respeito às análises previstas para casos selecionados a partir da leitura inicial dos dados. Pretende-se interrogar as causas de determinadas configurações de indicadores para se compreender as razões de tal desempenho.

d) cruzamentos e correlações – Após a checagem e o aperfeiçoamento da consistência geral do Sistema deve-se iniciar uma etapa de cruzamentos e análises correlacionais entre indicadores e variáveis. Aqui será o momento de interrogar, por exemplo, se há e quais são os municípios que apresentaram bom desempenho na maioria dos indicadores. E, inversamente, quantos e quais são os que estão abaixo da média na maioria dos itens avaliados. Será possível também saber se nos municípios que tem apresentado crescimento da riqueza ou da renda tem havido concomitante melhoria dos indicadores sociais. Pretende-se analisar se há correspondência entre a incidência de bons indicadores e determinadas características do tecido social e econômico local, como o capital social, ou o grau de diversificação das economias locais. Isto, para ficar em apenas alguns exemplos.

O intuito final, como indicado no projeto original, é fazer do Sistema de Indicadores Analíticos de Desenvolvimento Territorial uma ferramenta atualizável e disponível a consulta de estudiosos, militantes e formuladores de políticas. Os passos iniciais, e talvez mais difíceis, estão dados.

Nenhum comentário:

Postar um comentário